Transferências fiscais da União para estados e municípios têm efeito limitado na redução das desigualdades de gastos

Marta Arretche, diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), mostra que transferências não beneficiam estados e municípios com maior concentração de populações vulneráveis.

Janaína Simões

No Brasil, estados e municípios têm diferentes capacidades de arrecadação de tributos e impostos próprios, o que está relacionado às suas dinâmicas econômicas. Um dos mecanismos para compensar essas diferenças são as transferências fiscais, que complementam as receitas próprias dos governos subnacionais. Essas transferências, no entanto, acabam por produzir apenas uma compensação limitada e estão longe de privilegiar as unidades da federação que concentram maior necessidade. É o que aponta Marta Arretche, diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), em capítulo do livro “A Carta: Para Entender a Constituição Brasileira”, organizado por Naercio Menezes Filho e André Portela Souza, e que acaba de ser lançado pela Editora Todavia. Ela assina o segundo capítulo da obra, “Transferências Fiscais no Brasil”.

No artigo, a pesquisadora discute as regras de transferências fiscais vigentes no Brasil e seus efeitos redistributivos. As transferências são uma fonte importante de receitas para os governos subnacionais e uma forma de financiamento da execução da política pública, o que se dá de forma descentralizada no País. “Em 2016, metade dos estados brasileiros obteve apenas 50% do total de suas receitas a partir da arrecadação própria”, diz a autora. 

Por meio do estudo de indicadores socioeconômicos, demográficos e receitas de arrecadação própria e total, a pesquisadora demonstra que, “embora produzam significativa redistribuição, as transferências fiscais não produzem adequação entre necessidades e receita dos governos subnacionais.” Além disso, a pesquisa deixa claro que as transferências não beneficiam estados e municípios com maior concentração de populações vulneráveis. Um dos gráficos mostra que Acre e Roraima, por exemplo, obtêm uma receita per capita quase cinco vezes superior à de estados como Maranhão, Pará e Paraíba, apesar de apresentarem situação similar em termos de vulnerabilidades entre suas populações. 

Um breve histórico e reflexão sobre reforma

A Constituição Federal de 1988 e medidas ao longo dos últimos 30 anos consolidaram um modelo em que as políticas de garantia de renda, como da previdência, compensação ao desemprego e programas assistenciais, fosse executadas pelo governo federal, enquanto as de prestação de serviços passaram a ser realizadas por governos estaduais e municipais. Dessa forma, saneamento e habitação, por exemplo, são executadas por ambas as esferas subnacionais. Já os estados têm sob sua responsabilidade serviços como o hospitalar, oferta de ensino médio e segurança pública. Cabem aos municípios, predominantemente, a oferta e gerenciamento de serviços como os de coleta de lixo, transporte urbano e iluminação pública. 

O modelo atual, no qual um nível de governo conta com um percentual de arrecadação de imposto coletado por outro nível, data da Constituição de 1934. A Constituição de 1946 determinou que as transferências ocorram dos níveis superiores para os estados e municípios. Na Carta Magna de 1988, a grande novidade foram os percentuais a serem transferidos, os mais elevados na nossa história fiscal, “sendo essa decisão uma das responsáveis pelo desequilíbrio fiscal da União”, aponta o texto, que se dedicou a avaliar o modelo adotado a partir de 1988. 

Segundo a autora, as transferências produzem uma redistribuição, mas esta não se adequa às necessidades e receita dos governos estaduais e municipais. Para ela, este é o grande desafio a ser enfrentado por reformas que possam vir a ser propostas no futuro. “Um sistema de transferências que realmente leve em conta as necessidades da população residente nas diferentes unidades federativas deveria ser a nossa prioridade, caso queiramos manter um sistema descentralizado de execução de políticas que seja capaz de reduzir desigualdades no acesso a serviços”, conclui. Mais informações sobre o livro no site da editora


Sobre o CEM:
Criado em 2000, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Universidade de São Paulo (USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.


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