Contribuição emergencial sobre altas rendas permitirá manter oferta de auxílio de R$ 600,00 por quatro meses

Novo estudo da Rede de Pesquisa Solidária, do qual participam pesquisadores do CEM, aponta que a redução para R$ 200,00 colocaria mais de 20 milhões de pessoas em situação de pobreza.

Janaína Simões

Os acordos de redução de jornada e de salários, firmados com base na Medida Provisória 936, provocaram queda de quase R$ 200 na renda domiciliar per capita. Além disso, trabalhadores com carteira que não puderam acessar a Renda Básica Emergencial (RBE), ficaram sem compensação dessas perdas. Até o momento, apesar de pressão do Congresso Nacional, o governo federal hesita em prolongar o benefício de R$ 600,00. A redução para R$ 200,00, aventada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, colocaria mais 20 milhões de pessoas em situação de pobreza. A manutenção do benefício de R$ 600 por mais três meses pode ser integralmente financiada por uma Contribuição Social Emergencial sobre Altas Rendas.

Esses são o panorama e uma possível solução para a crise que se abate sobre a sociedade brasileira, apresentados no mais novo boletim da Rede de Pesquisa Solidária, resultado de pesquisa coordenada pelos pesquisadores Rogério Barbosa, do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), e Ian Prates, do Centro Brasileiro (Cebrap), com participação de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trata-se da nota técnica número 8: “Auxílio de R$ 600,00 precisa continuar e pode ser financiado por contribuição emergencial sobre altas rendas”, que pode ser consultado aqui.

A Rede de Pesquisa Solidária reúne mais de 40 pesquisadores das Humanidades, das Exatas e Biológicas, no Brasil e em outros países, que realizam estudos com o objetivo de aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas do governo federal, dos governos estaduais e municipais que procuram atuar em meio à crise da Covid-19 para salvar vidas.

Imagem:Elchinator/Pixabay  

Segundo o estudo, nove projetos de lei se encontram em tramitação no Congresso Nacional, tratando da prorrogação do auxílio emergencial. Seis deles propõem que os benefícios sejam pagos pelo menos até 31 dezembro de 2020; um propõe renovação de três meses; outro, prorrogação até março de 2021; e, por fim, um projeto propõe que o auxílio seja permanente. Em todas as propostas o valor do auxílio emergencial seria mantido em R$ 600,00 e não há indicação de fontes de financiamento para a prorrogação do benefício. Já o governo federal não apresentou posição definitiva e oficial sobre o tema.

Com base nesse debate, a pesquisa trabalhou com projeções de aumento do desemprego, queda da renda e na identificação de mecanismos capazes de equacionar o dispêndio público a ser efetivado. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia aponta um saldo negativo de mais de 1,067 milhão de postos de trabalho formais de março a abril. Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica um acréscimo de 4,9 milhões no contingente de desocupados no trimestre atual (fevereiro-abril/2020) em relação ao anterior (novembro/2018-janeiro/2019). O setor de Serviços foi o mais afetado, seguido dos setores de Comércio e Reparação e pela Indústria de transformação. 

Como a PNAD Contínua aponta que 70% dos desligamentos de emprego ocorridos nos meses recentes teria ocorrido no setor informal, o que indicaria que o número do Caged está superestimado. Além disso, os resultados da pesquisa do IBGE são de fevereiro até a primeira quinzena de março, “momentos em que ainda não os impactos econômicos da pandemia ainda não estavam claros”, apontam os pesquisadores. Então, eles consultaram outras fontes de dados para construir um cenário mais próximo do atual.

Partiram de uma versão anualizada da PNAD Contínua de 2019, que contém informações mais completas sobre os domicílios. “Foram simulados diversos cenários de desemprego e distribuídas as demissões e desligamentos entre os setores econômicos de forma proporcional ao observado no Caged. Mantida a mesma proporção registrada pela PNAD Contínua entre fevereiro e abril, estimou-se que para cada trabalhador formal desligado, dois informais se tornaram também desocupados”, descreve o boletim. 

Redução de renda, aumento da taxa de pobreza
Os pesquisadores também observaram que, segundo o Ministério da Economia, até 26 de maio, 8.154.997 trabalhadores formais fizeram algum tipo de acordo com seus empregadores, implicando uma redução proporcional da jornada de trabalho e do salário, conforme previsto na Medida Provisória 9361. Eles construíram diversos cenários, e todos indicam uma drástica redução da renda – com perdas maiores para aqueles que reduzem mais a jornada e para aqueles que possuem maior renda, uma vez que o seguro-desemprego tem um valor máximo de R$ 1.813,03 “Dos acordos realizados, 54,4% foram de suspensão, justamente aqueles que provocam maiores perdas”, apontam. 

Para a Nota Técnica publicada, os pesquisadores se concentraram numa combinação de apenas duas projeções de desemprego com dois valores para o benefício emergencial: R$ 600,00 o valor vigente, e R$ 200,00 por conta da sinalização, ainda que informal, realizada pelo Ministério da Economia. Num cenário em que o desemprego é de 17,1%, as perdas na renda média observadas antes da incidência da RBE são compensadas apenas se o benefício for o de R$ 600,00. Se o benefício for de R$ 200,00, manteria a renda domiciliar per capita 6,5% abaixo de seu patamar observado antes da pandemia e uma taxa de pobreza de 13,8%. “Isso significa cerca de 20 milhões a mais na situação de pobreza do que no estimado para o cenário com o benefício de R$ 600,00, que teria uma taxa de pobreza de 4%”, alertam.

Como financiar extensão da RBE: contribuição emergencial sobre altas rendas
Segundo a Caixa Econômica Federal, as liberações referentes às duas primeiras parcelas do auxílio emergencial até o dia 26 de maio foram para 57,9 milhões de beneficiários, que receberam no total, R$ 74,6 bilhões. Isso significa que o valor ficou R$ 49,32 bilhões abaixo dos R$ 123,92 bilhões disponibilizados por meio de crédito extraordinário. Há, ainda, 5 milhões de pedidos passando por primeira análise e, dentre os inelegíveis, 5,1 milhões pedidos estão em reanálise. 
Pensando, então, em um cenário de maior desemprego (26,6%) e maior cobertura (61,1 milhões de beneficiários), o valor mensal a ser destinado para a RBE seria de R$ 40,5 bilhões por mês, indicam os pesquisadores. Prorrogados por mais três meses, o total do gasto atingiria R$ 121,5 bilhões. Trabalhando com o cenário de continuidade de pagamento para quatro meses, mesmo no cenário mais pessimista de desemprego, foi elaborada, então, a proposta de criação de uma Contribuição Emergencial sobre Altas Rendas. 

Ursula Dias Peres, pesquisadora do CEM e professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), e Fábio Pereira dos Santos, doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), estudaram os indicadores e elaboraram a proposta. Essa contribuição incidiria sobre os rendimentos totais, isto é, a soma dos rendimentos tributáveis, exclusivos (já coletados na fonte) e isentos, onerando apenas aqueles com rendas mensais superiores a R$ 15 mil (estrato dos 10% mais ricos, conforme a distribuição dos declarantes do Imposto de Renda de Pessoa Física - IRPF). 

A contribuição sobre altas rendas teria alíquotas progressivas, partindo de 10% para aqueles que auferiram entre 15 e 40 salários mínimos (SMs), 15% para contribuintes situados entre 40 e 80 SMs e 20% para aqueles que auferiram no mínimo 80 SMs. “Esse desenho permitiria arrecadar R$ 142 bilhões - ou seja, um montante suficiente para estender a RBE de R$ 600 por até quatro meses, mesmo no cenário mais pessimista de desemprego”, concluem os pesquisadores. 

Mais informações - https://redepesquisasolidaria.org/ rededepoliticaspublicas@gmail.com./ 

Pedidos de entrevista com pesquisadores do CEM que integram a Rede - imprensa.cem@usp.br / 11-99903-6604 (WhatsApp). 


Sobre o CEM:
Criado em 2000, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Universidade de São Paulo (USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.