Diminuição da desigualdade passa por discussão do modelo de tributação de renda e lucro brasileiro

Em seminário no Centro de Estudos da Metrópole (CEM), o pesquisador do IPEA Rodrigo Orair analisou sistema atual e proposta que tramita no Congresso.

Janaína Simões

Discutir e alterar a forma como se tributa a renda e o lucro no Brasil hoje é fator primordial para que uma reforma tributária tenha, de fato, impacto na questão da desigualdade, defendeu o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Rodrigo Orair, em palestra de encerramento das atividades de 2019 do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp). O evento foi realizado na última terça-feira (11/12), na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). 

Orair é um dos mais importantes especialistas no estudo do sistema tributário brasileiro. Ele iniciou a palestra, cujo título foi “Tributação e Desigualdade”, fazendo um apanhado geral sobre a literatura que aborda a evolução dos sistemas e falando das reformas dos anos 1980, que reduziu o número de alíquotas, e de 1996, que criou isenção de cobrança de imposto sobre os dividendos e fez com que a tributação recaísse mais pesadamente sobre a pessoa jurídica do que na pessoa física, tributando de forma progressiva a renda do trabalho (ou seja, que o nível de tributação cresce na medida em que se eleva a renda) e isentando o capital. 

Esse modelo foi defendido como solução para o crescimento econômico, o que não se confirmou. “Estudos mais recentes mostram, de forma empírica, que é melhor tributar na pessoa física do que na jurídica”, disse. Essa percepção aumentou ainda mais após a crise econômica de 2008. Enquanto os que estão no topo de renda se recuperaram, a classe média ainda sofre suas consequências, um prato cheio para o surgimento de políticas e políticos populistas. Nesse contexto, rever benefícios tributários dados ao capital nos anos 1980 e 1990 e resgatar a progressividade no topo da distribuição entraram na agenda de países e organismos internacionais. 

O sistema brasileiro, hoje, é regressivo: tributa mais os mais pobres, enquanto a maior parte da renda de quem está entre os mais ricos acaba por ser isenta de imposto, rompendo a equidade no tratamento dado aos contribuintes. Pesquisa feita por Orair e Sérgio Gobetti, também do IPEA, mostrou que o grau de concentração de renda no topo da distribuição é maior do que a estimada a partir de pesquisas domiciliares, e que o princípio da progressividade tributária é violado no topo da distribuição, quebrando a equidade no tratamento dado aos contribuintes. 

Na estimativa dos pesquisadores, “o nível de tributação atinge seu ponto máximo de 12,1%, em média, no estrato de renda entre R$ 201 e R$ 328 mil por ano, caindo para 7% no último meio milésimo, que reúne os brasileiros que ganham acima de R$ 1,3 milhão anuais. O principal motivo desta distorção é porque a renda dos mais ricos provém predominantemente de dividendos e lucros distribuídos às pessoas físicas, que são isentos de imposto pela legislação brasileira.” 

Outra forma de quebra da equidade se dá pela chamada ‘pejotização’, um fenômeno que era circunscrito às pessoas de alta renda e que hoje se generaliza entre quem tem renda menor. ‘Pejotização’ é o nome para o processo de pessoas físicas que deixam de ser empregadas para criar uma pessoa jurídica em regime especial, como o Simples Nacional, por exemplo, pagando alíquotas muito mais baixas do que recolheriam se fossem funcionários com carteira de trabalho assinada, o que impacta negativamente na arrecadação de imposto de renda (e também previdenciária). 

Como exemplo dessa quebra, Orair citou a cobrança de imposto sobre renda obtida com aluguel de imóvel. Se uma pessoa tem um segundo imóvel e o aluga como pessoa física, paga 27,5% de alíquota. Caso ela tenha mais imóveis, pode optar por abrir uma imobiliária, se transformando em pessoa jurídica. Nesse caso, a alíquota de recolhimento do imposto será de 15%. Se essa pessoa for muito rica, pode colocar seus imóveis em fundo imobiliário, e, nesse caso, será totalmente isenta de pagamento de imposto de renda, já que, dividendos são isentos. “Ou seja, a mesma renda de capital (obtida com aluguel de imóveis) pode pagar 27,5%, 15% ou ser isenta”, apontou. “Quanto mais rico, mais fácil fazer esse tipo de migração”, acrescentou. 

O modelo brasileiro de tributação de imposto de renda também se abstém de qualquer tipo de progressividade de alíquotas. “Tanto faz se você recebe dividendos como um trabalhador que possui algumas ações de uma empresa ou se você é acionista majoritário e um milionário: ambos estão isentos”, lembrou. Segundo Orair, entre os países que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), todos tributam dividendos, e o Brasil tem um modelo comparável apenas ao de alguns países do leste europeu, como Estônia – e mesmo eles estão revendo seu sistema.

Ao final do seminário no CEM, Orair apresentou uma avaliação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/2019), de autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP). Para o pesquisador, a proposta apenas tangencia a questão da desigualdade setorial, ao buscar desonerar a indústria e onerar o setor de serviços, e a desigualdade federativa, ao propor mudanças nos tributos estaduais e municipais que promovam redistribuição a favor dos locais onde se consome bens e serviços, e não onde estes são produzidos. 

Em relação à desigualdade social, ele afirmou que praticamente nada muda. Isso porque a reforma está focada na criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que na PEC 45/2019 recebe o nome de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O objetivo da proposta é trabalhar aspectos da arrecadação. “Para lidar com a redução da desigualdade, precisamos repensar o modelo de tributação de renda no Brasil”, disse. Isso não está no escopo da reforma proposta pelos congressistas.

Para saber mais sobre a pesquisa, consulte o artigo que Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti publicaram como “Texto para Discussão” no site do IPEA – “Progressividade Tributária: a Agenda Negligenciada”.

Confira o álbum de fotos do evento no Flickr.  


Sobre o CEM:
Criado em 2000, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Universidade de São Paulo (USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.


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