Pela primeira vez, Brasil registra mais pessoas sem trabalho do que trabalhando

É o que mostra estudo conduzido pelo Cebrap e pelo CEM para a Rede Solidária de Pesquisa.

Janaína Simões

A PNAD-Covid, pesquisa emergencial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que a taxa de desemprego no mês de maio se manteve na casa dos 10%, inferior aos 12,6% registrados no primeiro trimestre do ano pela PNAD Contínua. Trabalho recente desenvolvido por pesquisadores, ajuda a compreender o que de fato significou essa queda. O contexto atual inaugura uma nova categoria: a do desemprego oculto em função do distanciamento social. Trata-se de um grande contingente de pessoas que não pôde trabalhar nem procurar emprego em razão da pandemia. 

A situação dramática do desemprego no Brasil é apresentada por pesquisa conduzida por Rogério Jerônimo Barbosa, do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp), e Ian Prates, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), com participação de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os resultados estão descritos no boletim 14 da Rede de Pesquisa Solidária. A Rede reúne mais de 70 pesquisadores mobilizados para aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas do governo federal, dos governos estaduais e municipais que procuram atuar em meio à crise da Covid-19 para salvar vidas. 

O nível de ocupação, que é a razão entre o número de trabalhadores e a população em idade ativa (maiores de 14 anos), atingiu em abril/maio um patamar inferior a 50%. Ou seja, pela primeira vez na série histórica, mais pessoas estavam sem trabalho do que trabalhando em todo o país. Por outro lado, um dos fatores que levam a PNAD-Covid a informar que a taxa de desemprego se manteve mais baixa agora do que no primeiro trimestre, indicador apontado pela PNAD Contínua, é o próprio conceito de desemprego usado na pesquisa. Ele se refere a pessoas que estão procurando ativamente emprego. Como no contexto da pandemia houve queda nas possibilidades de procura, ou seja, muitos indivíduos foram classificados como “inativos” em sua busca, não sendo contabilizados como desempregados. Isso provocou a baixa do indicador no comparativo da PNAD-Covid e da PNAD Contínua.

 (Foto: Marcos Campos: USP Imagens)

Novo indicador: o desemprego oculto pelo distanciamento social
A pesquisa que acaba de ser divulgada traz uma inovação que “avança um indicador ampliado e corrigido para a taxa de desemprego no Brasil, possibilitado pelas informações da PNAD-Covid”, destacam no boletim. A nova pesquisa do IBGE mensurou a quantidade de indivíduos que não procuraram trabalho por conta da pandemia ou por falta de postos na localidade. O contingente encontrado foi de 17,7 milhões, formado por pessoas que gostariam e estariam disponíveis para trabalhar. Com esse número em mãos, a Rede de Pesquisa Solidária estabeleceu uma medida ampliada de desemprego. 

Para chegar nela, os pesquisadores elaboraram uma medida que permite ‘corrigir’ a distorção entre os dados da PNAD Covid e Contínua: a do desemprego oculto pelo distanciamento social. É a razão entre o contingente de pessoas que desejava trabalhar, e não procurou emprego em função da pandemia, e a soma do número de pessoas ocupadas, que estão trabalhando, com o número de desocupados, que procuram emprego, e daqueles que queriam trabalhar, mas não procuraram emprego em função da pandemia. 

Os pesquisadores utilizaram também o indicador desemprego aberto pela pandemia, que expressa a razão entre o número de desocupados, que procuram emprego, e a mesma somatória usada na conta anterior: a soma do número de pessoas ocupadas, que estão trabalhando, do número de desocupados, que procuram emprego, e daqueles que queriam trabalhar, mas não procuraram uma vaga no mercado de trabalho por causa da Covid-19.

Assim, somando os dois indicadores, constataram que “o desemprego ampliado foi de 25,3%, correspondente à soma do desemprego aberto (9,6%) mais o desemprego oculto pelo distanciamento social (15,7%)”. Os números se referem à quarta semana do mês de maio. Esse quadro, somado ao nível de ocupação abaixo de 50%, mostra a grave situação do país. 

A pesquisa revela, ainda, que pessoas ocupadas e que trabalham presencialmente concentram-se principalmente nos estratos médios, enquanto ao mais ricos puderam exercer suas atividades à distância (teletrabalho/home-office). Entre os mais pobres, 40%, dos trabalhadores estão na modalidade “oculta”. O desemprego cai ao longo das camadas de renda e atinge patamares insignificantes entre os 5% mais ricos. Neste grupo, 40% encontram-se atualmente em alguma forma de trabalho à distância. 

Ao fazerem uma avaliação das políticas econômicas e sociais emergenciais, os pesquisadores constataram que a renda média das famílias brasileiras caiu R$ 280, principalmente por conta da queda da renda do trabalho. Sem a Renda Básica Emergencial (RBE), essa queda teria sido 35% maior (R$ 380,00). “Sem o auxílio emergencial de R$ 600,00 a taxa de pobreza teria saltado para 30% da população”, apontam. 

Se a RBE ajudou, o governo ficou devendo em outras frentes. O crédito anunciado pelo governo federal não chegou às empresas e limitou o potencial da Medida Provisória 936/2020, que criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, cujo gasto previsto atingiu apenas um quarto do estimado inicialmente. E boa parte dos trabalhadores desligados ficou excluída do Seguro Desemprego e sem acesso à renda compensatória por não cumprirem os requisitos definidos pelo governo. “A combinação da ineficácia do crédito, desemprego e falta de acesso ao auxílio emergencial foi responsável pela falta de efetividade da MP 936 e se expressou na brusca queda da renda”, apontam na pesquisa. 

Como conclusão, os pesquisadores apontam que “o cenário futuro, passada a RBE, aponta para um intenso aumento dos níveis de pobreza, além de um mercado de trabalho formal extremamente fragilizado e elevação da informalidade.” Eles recomendam a ampliação do debate sobre a elaboração e execução de um Programa Público de Renda Básica como forma de mitigar, ainda que parcialmente, os impactos negativos de uma explosão da pobreza e desigualdade no país. 

Os dados completos do estudo, incluindo as tabelas e gráficos, podem ser acessados no site da Rede Solidária de Pesquisa