Apenas 5% das proposições do Congresso Nacional para reforma do sistema tributário brasileiro são progressivas

Pesquisadores do CEM-Cepid/Fapesp mostram que parlamentares são ativos em propor mudanças da legislação tributária, mas não buscam reformar a regressividade do sistema.

Janaína Simões

Em 31 anos, apenas 5% de todas as quase 5 mil proposições legislativas em matéria tributária apresentadas à Câmara dos Deputados caminharam no sentido de deixar o regime mais progressivo, o que tornaria a cobrança de tributos menos pesada para os mais pobres. É o que aponta a mais recente Nota Técnica “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades”, série de publicações científicas do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp). A NT "O que o Congresso Brasileiro prefere em matéria tributária?" traz os resultados de estudo conduzido por Eduardo Lazzari e Rodrigo Mahlmeister, pesquisadores do CEM, e Marta Arretche, pesquisadora e uma das coordenadoras de projeto do Centro, que teve apoio da instituição Samambaia Filantropia.

Eles avaliaram as propostas dos parlamentares entre 1989 e 2020 e descobriram que o tema é de grande interesse dos congressistas. Neste período, 4.841 proposições legislativas – projetos de lei, projetos de lei complementar, medidas provisórias ou propostas de emenda à constituição - que tratam de assuntos tributários foram submetidas à Câmara dos Deputados. “Esta cifra representa uma média de 154 proposições por ano, o que está longe de caracterizar baixa prioridade parlamentar a este tipo de matéria”, apontam no texto.

Tributação
Imagem: Steve Buissine/Pixabay

No entanto, somente 5% de todas as proposições legislativas em matéria tributária apresentadas à Casa no período podem ser classificadas como progressivas. “A regressividade do sistema tributário brasileiro não pode ser atribuída à omissão do Congresso e, sim, às preferências dominantes. O comportamento parlamentar padrão na política tributária não visa reformar a regressividade do sistema tributário brasileiro”, destacam os pesquisadores na Nota Técnica. 

A implantação de um sistema mais progressivo de tributação é uma das reformas que ajudaria o Brasil a combater a desigualdade socioeconômica, pois prevê mecanismos que tributam pessoas que têm as maiores renda e patrimônio e alivia o peso dos mesmos nos mais pobres. O modelo regressivo, hoje em vigor, se baseia na criação  e existência de mais tributos indiretos, como o que incide sobre consumo de bens e serviços. Um exemplo de tributo indireto é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Já  no sistema progressivo os tributos são diretos, recaindo sobre o rendimento e a propriedade, caso, por exemplo, do Imposto de Renda (IR).

Preferência por criar novos benefícios para grupos específicos

Segundo o estudo, a principal preferência dos parlamentares ao fazerem proposições na área tributária é a concessão de novos benefícios fiscais, que se destinam a beneficiar grupos específicos. Das 4.841 proposições legislativas em matéria tributária apresentadas à Câmara dos Deputados no período, 67,2% criavam uma despesa dedutível no imposto de renda, uma isenção no mesmo imposto, uma isenção no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ou ainda um regime especial, beneficiando grupos específicos em dois ou mais tributos. “Em outras palavras, de cada 100 projetos na política tributária, 67 buscam criar uma norma que reduz a tributação para algum grupo por meio de um benefício”, revelam. 

Além disso, os números levantados indicam que os parlamentares das regiões mais pobres priorizam regimes especiais, ao passo que os das áreas mais prósperas priorizam deduções do IR. A análise geográfica mostra ainda que, de forma geral, as bancadas de todas as regiões apresentam patamar baixo de proposições progressivas, mas os deputados federais da região Nordeste submeteram um número maior, enquanto as regiões Sul e Norte apresentaram uma taxa inferior à média.  

No que tange ao aspecto político, os pesquisadores identificaram que partidos de esquerda apresentam maior propensão a enviar propostas de tributação progressiva para análise na Câmara dos Deputados, e o fazem com mais intensidade quando estão na oposição, mas a relação com o governo não altera o comportamento parlamentar em matéria de concessão de novos benefícios fiscais. 

Por fim, um dado surpreendente: “contrariando todas as expectativas, o governo Bolsonaro submeteu uma proposta progressiva de reforma tributária ao Congresso. Confirmando nossas expectativas, a tramitação da proposta progressiva do governo Bolsonaro foi um espetacular fracasso parlamentar”, apontam os pesquisadores. Para acessar a íntegra da Nota Técnica 17, clique aqui.


Sobre o CEM:
Criado em 2000, com início das atividades em 2001, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.


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