FASE IV CEPID/FAPESP - 2015/2018


 

A evolução das atividades de pesquisa durante os últimos onze anos permitiu simultaneamente melhorar nossas propostas originais e manter nosso compromisso com a produção de resultados inovadores. A renovação temática e as novidades na agenda científica refletem o crescimento do CEM como um Cepid (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) já na sua quarta de parceria com a Fapesp, e também, desde o final de 2008, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia ligados ao CNPq/MCT.

 

O principal objetivo do atual projeto científico do CEM é investigar o complexo tema do papel do Estado na redução da pobreza e na redução da desigualdade. Será desenvolvido em colaboração com colegas estrangeiros e envolve várias estratégias de comparação internacional.

LINHAS DE PESQUISAS:

O objetivo de pesquisa das linhas da quarta fase de parceria com a Fapesp, e MCT/CNPq, compreende quatro grandes dimensões:

  1. Medir atuais e anteriores desigualdades sociais
    1. Como o Brasil mudou nos últimos 50 anos?
  2. Desigualdade, Condições Sociais e Políticas Públicas no Brasil contemporâneo
    1. Escolas Públicas: incentivos e desigualdades
    2. Inclusão social através de políticas de ações afirmativas
    3. Mercado de trabalho, políticas e oportunidades: da escola ao trabalho
    4. Combater a desigualdade no acesso aos serviços de saúde
    5. Metropolização, mobilidade e segregação socioespacial da população
    6. Políticas Públicas e desigualdade territorial
    7. Para além da transferência de renda? Desafios da articulação intersetorial de políticas sociais
    8. Desigualdades raciais no Brasil: mudanças, persistências e desafios
  3. Instituições políticas, competição política e políticas redistributivas no Brasil
    1. Competição eleitoral e Democracia no Brasil
    2. Política e políticas redistributivas
  4. Quem governa o quê?
    1. Governança em grandes metrópoles: Paris, Londres e Cidade do México e São Paulo em Perspectivas Comparadas
    2. As margens da cidade
    3. Desigualdade Política e Representação Extra-parlamentar

Linha de Pesquisa 1: Medir atuais e anteriores desigualdades sociais

Medir desigualdades passadas e presentes relacionadas a raça, migração, mercado de trabalho, renda, condições urbanas, educação, gênero e comportamento político. A situação atual e a sua evolução ao longo dos últimos 50 anos será o primeiro passo do projeto. Como o Brasil mudou nos últimos 50 anos? É o título do livro que será resultado de análise comparativa dos dados do Censos de 1960, 1970, 1980, 1990, 2001 e 2010.

Subprojeto 1.1. : Como o Brasil mudou nos últimos 50 anos?

“Quanto o Brasil mudou nos últimos 50 anos?” 

Este projeto se refere à evolução da desigualdade no Brasil dos anos 1960 em diante. A desigualdade social e econômica é vista como um dos mais persistentes traços da sociedade brasileira. Sua resiliência a despeito dos expressivos índices de crescimento econômico representa um desafio intelectual e político. 

Existem evidências robustas de que a desigualdade de renda tem diminuído nos últimos 15 anos. Além disso, é bastante demonstrado por estudos econométricos que este resultado é impulsionado tanto pelo crescimento econômico e a consequente expansão da demanda por empregos quanto pelas políticas de transferência direta de renda, as aposentadorias e o aumento dos níveis de escolaridade.

Entretanto, sabemos muito pouco sobre o que ocorre em outras dimensões relativas ao bem-estar da população, como educação, saúde, condições urbanas, raça, e assim por diante. Caso a desigualdade também esteja diminuindo nestas dimensões, quando esta inflexão começou? É possível identificar fatores que expliquem tais mudanças? Estão associados a mudanças na sociedade, cujas origens são independentes das políticas de Estado, ou alternativamente, são resultado de políticas públicas, implementadas deliberadamente pelas agências do Estado? As desigualdades típicas das sociedades rurais mudaram? Ou vem sendo substituídas por novas formas de desigualdade, típicas de sociedades industriais ou pós-industriais? A democracia teve algum impacto na trajetória da desigualdade no Brasil?

Embora saibamos que o Brasil mudou muito nestes últimos 50 anos, descrições abrangentes de tais transformações são raras. Além de avaliar a natureza e momentos de mudança, este projeto visa também o avanço na compreensão dos fatores que os explicam. Será dada atenção especial a duas categorias de fatores que são centrais nas teorias da mudança, a saber, estrutura e agência. Consequentemente, uma das principais metas deste projeto será explorar se estas mudanças são um produto de alterações econômicas e sociais ou o resultado de políticas estatais deliberadas.

Este projeto tomará as últimas seis edições do Censo brasileiro (1960, 1970, 1980, 1990, 2000 e 2010) e sua principal fonte de dados. O resultado esperado é a publicação de um livro a ser editado em língua portuguesa e em inglês.  

Linha de Pesquisa 2: Desigualdade, Condições Sociais e Políticas Públicas no Brasil contemporâneo

Entender os efeitos independentes das políticas de estado nas condições sociais na redução da desigualdade. Três áreas temáticas merecem atenção especial diante do papel-chave a elas concedido na análise comparativa de políticas públicas: educação, saúde e mercado de trabalho. Embora o Governo Federal regule o último, estados e municípios fornecem os dois primeiros. A literatura convencional tem atribuído ao background social do indivíduo grande parte de seu desempenho no mercado de trabalho bem como sua performance na saúde e na educação. Para desvendar o efeito das condições sociais e das políticas públicas no desempenho destas políticas,diversos subprojetos pretendem avaliar:

Subprojeto 2.1. : Escolas Públicas: incentivos e desigualdades

CoordenaçãoCharles Kirschbaum,

Colaboração: Daniel McFarland (Stanford University)

Diferenças nos resultados educacionais são identificadas como um importante antecedente na desigualdade social: impactam diretamente a desigualdade de oportunidades, bem como conduzem indiretamente à segregação. A escola tem sido um fator explicativo central para o desempenho dos estudantes. Recentemente o método do “sistema de recompensa aos docentes” tem sido identificado como um dos fatores-chave para os resultados educacionais. A justificativa para essa política implica a crença de que os incentivos ligados ao desempenho educacional melhoram a qualidade de ensino. Contudo, não podemos presumir que professores e diretores estarão homogeneamente dispostos a abraçar mecanismos de recompensa de desempenho. Por exemplo, se os incentivos são percebidos como motor da concorrência esmagadora entre os professores, eles podem gerar indiretamente falta de engajamento. 

O principal objetivo deste projeto de pesquisa é examinar mecanismos organizacionais e relacionais ligados à política de recompensas e sua tradução em práticas concretas. Este projeto de pesquisa será desenvolvido em duas fases – um caso de análise comparativa baseado em estudo exploratório qualitativo, seguida de um estudo quantitativo em profundidade entre uma dúzia de escolas públicas secundárias em São Paulo.

Subprojeto 2.2. : Inclusão social através de políticas de ações afirmativas

Coordenação: Antonio Sergio Alfredo Guimarães

Colaboração: Katherine Newman (Johns Hopkins University); Paul Attewell (City University of New York); Renato Pedrosa e Cibele Andrade (UNICAMP); (linha concluída)

A adoção de políticas de ações afirmativas (AA) nas universidades brasileiras, no começo deste século, ampliou muito o número de negros no sistema de educação superior no Brasil. Um estudo recente da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) estima um aumento de 264% de negros nas universidades privadas e de 23% nas públicas. Desde 2008, os pesquisadores do CEM vêm acompanhando a implementação de AA na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em Campinas (UNICAMP).

Os objetivos deste projeto são dois. Na frente teórica busca produzir uma revisão global da literatura acadêmica existente sobre movimentos sociais da população negra e seu avanço nos  direitos sociais nos séculos XX e XXI. Será também elaborada uma análise política cuidadosa da conferência realizada em Brasília sobre multiculturalismo e ações afirmativas, em 1996. Neste período, programas de AA, principalmente cotas para negros, indígenas e estudantes de escolas secundárias públicas foram adotadas em 71 universidades públicas.

Na frente empírica a meta é incluir novas universidades no estudo, tais como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade Federal de Sergipe (UFS) e abordar quatro eixos principais, conforme segue:

  1. Acesso ao ensino superior e seus circuitos diferentes;
  2. Carreiras universitárias de alto e baixo prestígio;  
  3. A eficácia relativa dos diferentes programas de AA;
  4. Classificação racial, reclassificação e políticas de inclusão social.

Este projeto será desenvolvido com universidades interessadas e pretende ajudar na avaliação de seus próprios programas de ações afirmativas.

Subprojeto 2.3. : Mercado de trabalho, políticas e oportunidades: da escola ao trabalho

Coordenação: Nadya Araújo Guimarães

Colaboração: Helena Hirata (CNRS), Didier Demaziere (Fondation Nationale de Sciences Politiques), Kate Purcell (University of Warwick) e Alvaro Comin (King’s College); (linha concluída) 

O debate sobre desigualdades sociais tem enfatizado o papel do mercado como mecanismos para alocar recursos e, portanto, como uma instância estratégica para reproduzir ou superar as disparidades. Isto requer entender a forma como as oportunidades de emprego são alocadas e o papel do mercado de trabalho na inserção e realização econômicas, bem como a mobilidade social do indivíduo. A literatura tende a ver a desigualdade intergrupal como consequência de características individuais e de talento, ambas valorizadas no mercado. No entanto, novos desenvolvimentos analíticos têm colocado em evidência pelo menos três outros determinantes sociais: redes (como um recurso adicional, que permite tanto reproduzir privilégios quanto melhorar as chances de mobilidade ascendente), ações coletivas (mudar as práticas sociais e maximizar realizações de alguns atores) e políticas públicas (transformando as regras da concorrência e condições individuais). Eles alimentam o mesmo desafio intrigante: podemos explicar realização socioeconômica e a mobilidade por meio de mecanismos não-mercantis e não-universais ?

O projeto realizará a análise empírica de evidências para o caso brasileiro e sua experiência de crescimento contínuo, que transformou: (i) a estrutura econômica (inflexão do desempenho do mercado de trabalho, conduzindo à expansão sistemática de oportunidades de trabalho e declínio na desigualdade de renda), (ii) o sistema de educação superior (expandindo substancialmente o acesso à educação) e (iii) o papel dos movimento sociais na implementação das novas políticas públicas (um conjunto de vigorosas iniciativas  de compensação relacionadas ao acesso ao ensino superior têm sido postas em prática para enfrentar as desigualdades sociais e raciais). Essas mudanças propiciam um cenário especial para explorar as ligações entre mercado de trabalho, políticas e oportunidades.

O projeto estará focado em três problemas principais relacionados às dinâmicas recentes do mercado de trabalho brasileiro para trabalhadores com educação superior, que são chave para o desenvolvimento de políticas e hoje em dia é confrontado com os riscos de escassez no fornecimento de trabalhadores altamente qualificados.: (1) as transições entre a escola e o mercado de trabalho, por meio de uma análise de dados do censo 2010, explorando tendências da última década e investigando novos mecanismos que proporcionam acesso a oportunidade de emprego; (2) a relação entre crescimento econômico, emprego e trajetórias ocupacionais entre trabalhadores altamente especializados, por meio de uma análise (i) entre 2000-2010 dos dados do Censo e (ii) no painel longitudinal Rais-Migra do Ministério do Trabalho no período 1989-2010; (iii) os efeitos de políticas afirmativas na realização ocupacional e na mobilidade social, por meio de dois estudos de caso baseados em painel prospectivo (três ondas bianuais) nas trajetórias do mercado de trabalho e experiências dos primeiros grupos de beneficiários de políticas afirmativas adotadas por duas universidades brasileiras de prestígio.

Subprojeto 2.4. : Combater a desigualdade no acesso aos serviços de saúde: comparando estratégias de políticas

CoordenaçãoVera Schattan Pereira Coelho

Colaboração: Alex Shankland e Gerry Bloom (University of Sussex)

Desigualdade em serviços de atendimento à saúde é um tópico que vem ganhando espaço entre pesquisadores e profissionais da área, que se deve parcialmente à quantidade crescente de evidências sobre as desigualdades nas condições de saúde, e também ao acesso a serviços de saúde bem como aos padrões de distribuição das condições de saúde. Os pesquisadores têm feito distinção entre desigualdade na saúde e iniquidade em saúde. Desigualdade diz respeito a variações observadas  nas condições de saúde ou ao acesso a serviços de saúde por diferentes grupos sociais que podem estar associados ao acesso, etnia, classe social, status profissional e desigualdades sócio-espaciais. Iniquidades em saúde, por outro lado, são relativas a circunstâncias diárias nas quais as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e morrem, que podem ser documentadas como evitáveis e injustas. No Brasil, o interesse nessa discussão tem prosperado nos últimos anos. A publicação de estudos no começo dos anos 1990 documenta desigualdades significativas dos indicadores de saúde entre diferentes grupos sociais e foi seguida de um debate sobre variáveis associadas a tais desigualdades. Mais recentemente o foco nos “determinantes  sociais de saúde” tem ganhado espaço junto à comunidade científica. Parte desta literatura defende a urgência de promover políticas mais efetivas de atendimento à saúde que trabalhem mais colaborativamente com outros setores sociais.

O Brasil possui  um abrangente sistema de saúde pública cujos princípios principais são a universalidade e a gratuidade. No entanto, o debate sobre como gerenciar prestadores de serviço ainda divide a comunidade das políticas de saúde, bem como preferências partidárias. O sistema de contratualização dos serviços de saúde é uma dessas políticas que está sob escrutínio. Embora alguns digam que se trata de uma forma efetiva de combater a desigualdade e a injustiça, outros resistem ferozmente a incorporar aquilo que chamam de lógica privada dentro do sistema público de atendimento à saúde.

Alinhado com esta agenda este projeto busca: (1) examinar as políticas e estratégias adotadas pelo governo do Estado de São Paulo para a promoção da equidade na saúde. O Estado de São Paulo implementou um conjunto de políticas de saúde e inovações de governança, orientadas  pelas diretrizes do modelo de contratualização dos serviços de saúde, que foram anunciadas como ferramentas poderosas para promover uma distribuição mais equitativa dos serviços de atendimento à saúde. No Estado, alguns municípios têm organizado seus serviços de acordo com a orientação do governo do estado enquanto que os municípios com prefeituras da oposição não aderiram a elas. Dois grupos de municípios serão selecionados: um composto daqueles cujas políticas de saúde local estão de acordo com as do governo do estado – ou seja, as que favorecem o modelo de contratualização dos serviços de saúde – e outro composto de municípios cujas políticas locais de saúde divergem das estaduais, ou seja, não são a favor das políticas de contratualização dos serviços de saúde. Por isso, o projeto busca (2) comparar municípios no interior do Estado de São Paulo onde funcionaram governanças com diferentes arranjos. O principal objetivo deste projeto é (3) avaliar sua efetividade relativa na promoção da equidade na saúde, medida pelas condições de saúde e acesso aos serviços de atendimento à saúde.

Subprojeto 2.5. : Metropolização, mobilidade e segregação socioespacial da população

Coordenação: José Marcos P. da Cunha

No Brasil, as desigualdades sociais e territoriais ocupam um espaço importante nos estudos demográficos que buscam a compreensão dos determinantes e consequências da mobilidade espacial da população. A despeito da escala espacial considerada, o movimento das pessoas reflete de muitas formas assimetrias sociais, econômicas e políticas entre grupos sociais. Em grandes áreas urbanas, especialmente nas de caráter metropolitano, a mobilidade espacial da população apresenta distintas características e impactos segundo as escalas consideradas para análise, sendo que o mesmo pode ser dito com relação às suas causas e consequências. Se os movimentos migratórios em escala nacional respondem às desigualdades regionais e às transformações econômicas e sociais mais amplas, no plano intraregional ou intraurbano, são fatores ligados à forma como se produzem e se distribuem as oportunidades, sobretudo habitacionais e do mercado de trabalho, que emergem como mais relevantes. Portanto, a migração, analisada através das lentes demográficas, ajuda a compreender não apenas parte significativa das tendências populacionais, mas também mudanças na forma e no conteúdo das grandes aglomerações urbanas, assim como suas consequências sociais, em particular no que diz respeito à geração de desigualdades socioterritoriais. A escala espacial preferencial desta linha de pesquisa é a intrametropolitana ou intraurbana. Mas, não se podem desconsiderar as tendências migratórias intraestaduais ou interestaduais, uma vez que estas, historicamente, têm jogado papel central no crescimento demográfico destas áreas. Assim, enfatizando os aspectos sociodemográficos do processo de crescimento e produção do espaço urbano metropolitano, esta linha de pesquisa focaliza tanto o papel da mobilidade espacial (ou imobilidade) na dinâmica sociodemográfica destas áreas, quanto suas causas e consequências não apenas sobre as condições de vidas das famílias e pessoas, mas também sobre o processo de segregação socioespacial. 

Não obstante, os focos centrais destas análises sejam regiões metropolitanas do Estado de São Paulo (RM de São Paulo, Campinas, Baixada Santista e Vale do Paraíba e Litoral Norte), estudos comparativos com outras áreas do país e do exterior também fazem parte das possibilidades e dos nossos interesse de análise. 

Subprojeto 2.6. : Políticas Públicas e desigualdade territorial

CoordenaçãoMarta Arretche

Colaboração: International Metropolitan Observatory, liderado por Jefferey Sellers (University of Southern California).

De acordo com a maioria das contas, a desigualdade de renda entre os indivíduos tem declinado rapidamente no Brasil. Entretanto, pouco sabemos sobre a capacidade o Estado brasileiro para reduzir a desigualdade na prestação de serviços sociais. O saber convencional sustenta que o sistema político brasileiro produziria obstáculos institucionais para a capacidade do Estado prevenir tanto a desigualdade de renda como o acesso universal a políticas redistributivas. Entretanto, a evidência observável não  indica que esta previsão seja inteiramente correta. 

Este projeto busca mapear e explicar a desigualdade territorial no desempenho de políticas públicas universais (saúde e educação) no Brasil. Tratar desta questão requer evitar a estratégia analítica convencional que toma o nível nacional como unidade de análise. Ao invés  disso, dado que os serviços públicos são prestados por governos subnacionais, estados e (especialmente) municípios são a unidade apropriada de análise para poder explorar este problema de pesquisa. Logo, explorar a efetividade do Estado brasileiro em prover acesso a políticas sociais requer analisar a desigualdade entre as jurisdições tanto na oferta quanto como nos resultados das políticas sociais. Dessa forma, este projeto busca explorar uma dimensão de desigualdade que é frequentemente mencionada e raramente estudada sistematicamente, a saber, a desigualdade entre jurisdições, ao invés da desigualdade entre indivíduos. Esta pesquisa está baseada no pressuposto de que o lugar onde mora um indivíduo afeta seu acesso a políticas- públicas.

Em segundo lugar, o projeto objetiva  inovar na frente metodológica. A maioria das avaliações sobre desigualdade entre jurisdições nos resultados das políticas está focada em uma única dimensão, ou seja, elas assumem que um único indicador é suficiente para medir com precisão condições sociais.

A literatura de políticas sociais há tempos tem salientado o impacto da pobreza, o grau de educação da mãe, e desigualdade de renda sobre os resultados de saúde e educação. A literatura institucional argumenta que a redução da desigualdade de lugar exige centralização tributária e regulação subnacional das políticas nacionais. Em outras palavras, afirma que há um trade-off entre a redução da desigualdade e descentralização das decisões. Além de mapear as desigualdades territoriais na prestação de serviços, este projeto também visa a explorar o papel das regulações federais sobre esses resultados.

Estudos prévios conduzidos no CEM revelam que a União tem grande influência sobre as políticas subnacionais no Brasil, a despeito da forma descentralizada de organizar a provisão de políticas de serviços. Serviços públicos fornecidos pelos estados e municípios seriam menos efetivos e mais desiguais na ausência dos atuais sistemas nacionais de políticas públicas. Assim, explorar o impacto dos fatores socioeconômicos e o papel das políticas nacionais redistributivas e regulatórias sobre os resultados de políticas subnacionais é o segundo objetivo deste projeto.

Subprojeto 2.7. : Para além da transferência de renda? Desafios da articulação intersetorial de políticas sociais

CoordenaçãoRenata Mirandola Bichir (EACH/Universidade de São Paulo)

Quais arranjos institucionais permitem sustentar a articulação de programas de transferência de renda com políticas sociais necessárias para garantir o desenvolvimento social, tais como saúde, educação, desenvolvimento da primeira infância, geração de emprego e renda? É possível pensar em mecanismos federais de incentivo e de coordenação das ações das unidades subnacionais, visando essa articulação intersetorial? No caso de planos federais de articulação, como o Plano Brasil Sem Miséria (BSM), como garantir homogeneidade mínima de resultados diante das distintas capacidades institucionais de Estados e municípios, responsáveis pela implementação de muitas das políticas sociais? Essas são as principais questões que orientam esse projeto de pesquisa, que será desenvolvido a partir do aprofundamento de certas linhas de análise iniciadas em minha tese de doutorado, defendida em junho de 2011. Neste projeto de pesquisa pretende-se aprofundar a discussão a respeito dos mecanismos de coordenação federativa e das capacidades institucionais necessárias à implementação de políticas intersetoriais de desenvolvimento social, considerando tanto as iniciativas federais, em particular o BSM, como as estratégias que vêm sendo desenvolvidas em alguns municípios, com destaque para o caso de São Paulo.

Desse modo, o principal objetivo deste projeto é compreender de que modo o Brasil tem desenvolvido diferentes mecanismos de coordenação horizontal e vertical, bem como capacidades institucionais para fazer frente a situações diversas de pobreza e desigualdade, por meio do maior ou menor grau de articulação de programas focalizados de combate à pobreza com políticas sociais diversas. Irá se discutir ainda se de fato houve um processo de aprendizagem institucional a partir de mecanismos de coordenação desenvolvidos ao longo do amadurecimento institucional do Programa Bolsa Família (PBF), importante eixo estruturador do BSM.

Assim, ao examinar os principais mecanismos de coordenação e as capacidades institucionais desenvolvidos pelo governo federal no processo de construção e consolidação de uma rede de proteção social, será analisado em detalhes o processo recente de implementação do Plano Brasil Sem Miséria (BSM) em seus três eixos principais: transferência de renda, acesso a serviços públicos e inclusão produtiva. Para tanto, serão realizadas entrevistas com gestores responsáveis pela formulação e coordenação dessas ações – em especial gestores federais do ministério responsável pela coordenação do BSM, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), bem como ministérios parceiros nas ações, em particular o Ministério da Educação e Cultura (MEC), o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Além de entrevistas baseadas em roteiros semiestruturados, serão reunidas informações presentes em relatórios de gestão, pesquisas de avaliação de programas e políticas, indicadores de monitoramento e demais dados a respeito dos programas, bem como estudos acadêmicos a respeito dos temas abordados.

Para fazer frente aos objetivos propostos, esse projeto, será desenvolvido a partir dos seguintes eixos metodológicos:

  • Revisão bibliográfica da literatura brasileira e internacional sobre coordenação federativa e capacidades estatais;
  • Revisão bibliográfica de estudos sobre as políticas sociais e os programas de transferência de renda condicionada desenvolvidos no Brasil;
  • Mapeamento das relações intergovernamentais, definição de competências e responsabilidades no caso de cada intervenção social analisada;
  • Identificação dos principais atores – governamentais e sociais – interessados em cada uma das políticas sociais em análise, bem como suas relações, coalizões e conflitos;
  • Levantamento de dados administrativos visando à caracterização de: recursos financeiros, administrativos e pessoais envolvidos na implementação e operação de cada uma das políticas;
  • Entrevistas com atores relevantes visando coletar informações e dados sobre políticas sociais e programas de transferência condicionada de renda; obter informações e dados que permitam analisar as capacidades institucionais disponíveis em cada uma das políticas.
  • Analisar, as formas de integração entre os programas de combate à pobreza e a desigualdade e as políticas sociais universais no caso do município de São Paulo.

Subprojeto 2.8. : Desigualdades raciais no Brasil: mudanças, persistências e desafios

Coordenação: Marcia Lima (Departamento de Sociologia/USP)

O principal  objetivo da pesquisa é examinar as mudanças das desigualdades raciais nos últimos trinta anos, identificando os principais indicadores de desigualdades raciais, a saber: educação, trabalho e renda. Essas mudanças estão relacionadas a quais fatores: transformações socioeconômicas gerais ou mudanças na composição da desigualdade racial? A hipótese que norteia essa investigação é que a queda das desigualdades raciais está mais atrelada a mudanças sociais e econômicas (como expansão do acesso a educação, políticas de transferência de renda, formalização do mercado de trabalho) do que num cenário específico de queda da desigualdade racial. Isto poderá ser medido analisando os diferentes retornos das melhorias sociais e econômicas segundo cor/raça. 

Linha de Pesquisa 3: Instituições políticas, competição política e políticas redistributivas no Brasil

O principal objetivo desta linha de pesquisa é entender o papel das instituições políticas na tomada de decisões sobre políticas redistributivas, particularmente o comportamento eleitoral e o processo de elaboração das leis. Dois projetos visam a responder questões empíricas relacionadas a esta agenda de investigação.

Subprojeto 3.1.: Competição eleitoral e Democracia no Brasil

Coordenação: Fernando Limongi

A democracia depende de eleições competitivas. O regime democrático brasileiro não se sai bem na maioria das avaliações. A falta de efetiva competição eleitoral é citada frequentemente como uma das principais causas para um desempenho democrático insatisfatório. Mais especificamente, a combinação idiossincrática de instituições eleitorais com a estrutura social do país poderia neutralizar as consequências da competição eleitoral. Embora apareça sob diferentes formas, este argumento pode ser submetido a teste empírico sistemático.

O objetivo deste projeto é descrever acuradamente a competição eleitoral e melhor entender como esta afeta a formulação de políticas no Brasil contemporâneo. Mais especificamente, este projeto busca (1) examinar argumentos em voga  sobre a forma como as eleições tomam forma no Brasil; (2) as implicações empíricas desses argumentos teóricos; (3) submeter estas implicações empíricas a testes (estatísticos). O projeto focará no papel das estratégicas dos partidos (minimizando as estratégias individuais) e a relação entre eleições majoritárias (para o executivo) com as eleições proporcionais (para o legislativo).

No front metodológico, o projeto pretende contribuir para a aplicação e o desenvolvimento de novos indicadores de competição eleitoral. No plano metodológico, o projeto pretende contribuir para o melhor entendimento conceitual da competição eleitoral com base em trabalhos recentes que partem do modelo do eleitor mediano para entender a competição partidária. 

O projeto montará e disponibilizará um conjunto original de dados eleitorais. Este conjunto de dados será tão completo quanto possível em termos de cobertura histórica e nível de agregação e estará disponível ao público no site do CEM.

Subprojeto 3.2. : Política e políticas redistributivas

CoordenaçãoMarta Arretche

Este projeto busca explorar os fatores políticos que explicam a adoção de políticas redistributivas conduzidas federalmente, cujo conteúdo visa tanto a proporcionar receitas para os governos subnacionais como para implementar políticas de fornecimento de serviços e bem regular sua execução.

Estudos prévios conduzidos no CEM mostraram que no Brasil a União joga um papel central na redistribuição de receita entre as jurisdições. Além disso, a alocação de receitas entre os governos subnacionais é altamente institucionalizada, tanto no que diz respeitos aos recursos que presidentes distribuem para os governos subnacionais quanto no que diz respeito aos gastos de prefeitos e governadores. 

Este traço não é enfatizado pelas interpretações dominantes sobre o sistema político brasileiro. Como resultado, tem sido subteorizado o papel redistributivo da União na provisão descentralizada de políticas públicas no Brasil. 

A meta deste projeto é a de investigar o apoio político para o papel redistributivo da União no Brasil. Ele vai ser realizado por meio de duas estratégias analíticas. A primeira é parte de um estudo comparativo já desenvolvido na Europa, Citizens after the Nation State (CANS). Este estudo revelou dois tipos de países (i) aqueles onde existe um amplo apoio ao papel redistributivo do governo central e (ii) aqueles no qual esta participação é um fator de polarização política. Nenhum estudo deste tipo foi conduzido no Brasil, embora muitos analistas sustentem saber o que os brasileiros pensem sobre o assunto.

O segundo estudo refere-se ao processo decisório da legislação sobre a distribuição federal de receitas aos governos subnacionais no Brasil. É esperado que a natureza redistributiva desta decisão afete a natureza das coalizões organizadas ao redor dela. Debates e votações nominais serão analisados a fim de compreender esta formação de coalizões.


Linha de Pesquisa 4: Quem governa o quê?

O principal objetivo desta linha de pesquisa consiste em mapear formas alternativas de governança em áreas urbanas e suas conexões com o Estado, de forma a entender “quem faz o quê?”. Esta linha de pesquisa busca analisar padrões de governança não necessariamente controlados pelo Estado e suas agências. Busca destrinchar dois aspectos aparentemente contraditórios das descrições sobre a  gestão dos territórios no Brasil: de um lado, como um caso em que a implementação de políticas é controlada tanto por interesses privados quanto patrimoniais; de outro, como um caso notável de experiências de ativismo cívico.

Tomadas de forma isolada, nenhuma delas descreve completamente os padrões de governança urbana de fato existentes. Além disso, as evidências mostram que, em qualquer caso, as ligações com o Estado e suas agências são a chave para entender a governança. Três subprojetos tratam desse problema de pesquisa:

Subprojeto 4.1. : Governança em grandes metrópoles: Paris, Londres e Cidade do México e São Paulo em Perspectivas Comparadas

CoordenaçãoEduardo Leão Cesar Marques

Espaços metropolitanos podem contribuir intensamente para a reprodução das desigualdades, tanto pela desigual distribuição de serviços e oportunidades como pela presença de altos níveis de segregação residencial. Governos locais poderiam desempenhar um papel ativo na redução das desigualdades, no entanto, normalmente acabam contribuindo para reforçá-las.

Este projeto vai analisar os padrões de governança em grandes metrópoles a partir de uma perspectiva comparativa, visando melhor compreender como diferentes padrões surgem e persistem (por vezes, de formas incompatíveis). Sua meta é ir além da clássica pergunta da ciência política “quem governa?” e investigar “quem governa o quê?”. O projeto focará em duas questões relacionadas: “como diferentes áreas de política são governadas?” assim como “quem governa o quê quando o Estado não governa?”.

O objetivo deste projeto reside em investigar padrões de governança em São Paulo, Paris, Londres e Cidade do México, procurando por  regularidades e diferenças. Padrões únicos ou coerentes de governança em cada cidade e entre elas não são esperados. Ao invés, evidências iniciais sugerem que padrões de governança diferem de acordo com a área de política. Cada uma parece apresentar diferentes arranjos de cooperação entre os governos assim como diferentes articulações com grupos (legais e ilegais) dentro da sociedade civil.

Uma comparação geral de quatro grandes áreas metropolitanas será feita por estudos de caso em profundidade objetivando investigar a presença de processos governamentais particulares em diversas áreas temáticas. Combinações particulares especificando condições de origem, operação e reprodução dos padrões de governança serão examinadas. 

Subprojeto 4.2. : As margens da cidade

Coordenação: Gabriel de Santis Feltran 

O tema amplamente conhecido como as “margens da cidade” tem obtido um status analítico relevante nas ciências sociais. No Brasil, sociólogos urbanos e antropólogos têm passado as últimas quatro décadas analisando as profundas mudanças produzidas pela democratização, globalização econômica e as reformas do Estado nas dinâmicas sociais e políticas das periferias urbanas. Como resultado, palavras-chave no debate sobre pobreza urbana, tais como migração, trabalho industrial, mercados de trabalho, políticas sociais, família, religião, violência e mercados ilegais tiveram seus conteúdos profundamente transformados.

Em São Paulo, a expansão das populações marginais e dos territórios é evidente. Tráfico de drogas, furto de carros, pirataria eletrônica, contrabando, arrombamento seguido de roubo não são mais associados exclusivamente à violência urbana. Ao invés disso são, sobretudo, mercados estabelecidos e altamente rentáveis  que operam em escala transnacional, apesar de territorializados em pontos estratégicos de grandes metrópoles como a cidade de São Paulo, especialmente em suas periferias urbanas.

O principal objetivo deste projeto de pesquisa é o de investigar - pelo trabalho de campo etnográfico - o circuito social daqueles assim chamados grupos urbanos e territórios marginais na cidade de São Paulo. Assim, a vida de trabalhadores informais e ilegais, imigrantes, refugiados, criminosos, sem-teto e prostitutas são seu objeto.

Este projeto visa a submeter a teste empírico o argumento de que a forma como as populações marginais vivem é explicada pela ausência de relações tanto com o estado como com organizações sociais. Examinará o conhecimento convencional que descreve essas populações marginais  como aquelas que “não têm” ou “outsiders”. Em vez disso, evidências preliminares sugerem que o estudo das relações reais que aqueles indivíduos e grupos estabelecem entre si e com outros grupos sociais ou indivíduos de diferentes esferas sociais, tais como família, mercado de trabalho, igrejas, assistentes sociais, o crime organizado, e o Estado pode ser uma forma fecunda de melhor compreender o verdadeiro governo da periferia.

Os objetivos específicos deste projeto são: (i) descrever e analisar a codificação social da vida diária e as formas internas de administração desses territórios e populações (moralidades internas, códigos de conduta, hierarquia, sociabilidade, etc.); (ii) descrever  as relações entre esses sujeitos e outras esferas sociais e políticas, como família, trabalho, associações, política, religião, polícia e crime organizado.

A fim de melhorar a robustez dos resultados da investigação, o projeto colherá dados sobre “circuitos marginais” em duas áreas urbanas diferentes: (a) o distrito de Sapopemba, nas periferias da região leste da cidade de São Paulo e (b) uma cidade de tamanho médio (200 mil habitantes) ao norte do estado de São Paulo.

Subprojeto 4.3. : Desigualdade Política e Representação Extra-parlamentar

CoordenaçãoAdrián Gurza Lavalle

O Brasil é um caso digno de nota sobre experiências inovadoras de representação política extra-parlamentar. Normalmente essas experiências têm sido classificadas sob o rótulo de “instituições participativas” (IPs). No entanto, necessitamos ainda melhorar nosso entendimento sobre os resultados efetivos dessas novas IPs como um arranjo organizacional para representação política.

Este projeto de pesquisa estudará os conselhos municipais, particularmente em áreas de política social. Estas são de longe as mais difundidas “inovações institucionais” para representação extra-parlamentar -  atualmente, existem no Brasil mais de 30 mil conselhos municipais institucionalizados nas áreas de saúde, educação e bem-estar social. Existe um crescente mas ainda insuficiente corpo de evidência sistemática sobre os efeitos de tais experiências sobre os resultados das políticas. Além disso, não há praticamente explicação sistemática sobre as decisões realmente tomadas pelos conselhos. Outra questão que raramente tem sido explorada é o papel desses conselhos para reduzir a desigualdade política no processo decisório sobre as políticas sociais em nível municipal.

O principal objetivo deste projeto de pesquisa é tentar resolver essa brecha na literatura. Mais especificamente busca responder questões quanto ao papel dos conselhos municipais: (i) sobre o quê os conselhos municipais decidem? (ii) as decisões tomadas por conselhos municipais são adequadas para reduzir a desigualdade política dando voz aos interesses sub-representados? (iii) existem padrões dentro e entre municípios? Seriam os padrões (dentro e entre) os municípios relacionados com as condições postuladas pela literatura como favoráveis para uma maior eficácia de IPs?

Para abordar essas questões, a primeira fase do projeto focará no mapeamento dos conselhos existentes e nas decisões que eles têm tomado em seis municípios: Guarulhos, Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e Curitiba. Os primeiros três municípios apresentam as condições geralmente postas como hipóteses pela literatura como úteis para alta efetividade das IPs, enquanto os outros três apresentam uma ampla gama de características associadas ao enfraquecimento das instituições. Atualmente não há conjuntos de dados disponíveis sobre a gama completa de conselhos existentes a nível municipal, nem das suas decisões. 

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