Pesquisadoras analisam agenda educacional do governo Bolsonaro: faltam evidências de que escolas cívico-militares tragam melhores resultados

Ao estudar a política para a área, cientistas associadas ao CEM constatam que poucas ações saíram do papel.

Janaína Simões

Uma das poucas políticas elaboradas pelo governo Bolsonaro na área da educação a sair, de fato, do papel, foi a implantação das escolas cívico-militares, que entretanto não apresentam evidências que indiquem ser este o modelo que vai trazer resultados positivos para o Brasil. Além de contrariar os estudos científicos, este tipo de escola segue uma agenda ideológica marcada pelo autoritarismo, elemento presente na agenda conservadora da extrema-direita não só aqui, mas em diversos países. É o que apontam Catarina Ianni Segatto e Sandra Gomes, pesquisadora e pesquisadora associada do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp), respectivamente, em estudos que estão sendo conduzidos por ambas, um já publicado e outro em fase de conclusão.

Escola cívico-militar: alunos no primeiro dia de aula no DF
Escola cívico-militar:
alunos no primeiro dia
de aula no DF em 2019.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A mais recente iniciativa de criação das escolas cívico-militares é do governo estadual de São Paulo. A iniciativa paulista tem como base o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, que não estava previsto no programa eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sendo criado pela sua equipe de transição. O programa foi descontinuado pelo governo atual, é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) e aguarda votação em plenário no Supremo Tribunal Federal (STF).

Segatto e Gomes fizeram um mapeamento das políticas de educação do governo Bolsonaro, e constataram “que o governo não conseguiu implementar as políticas propostas por ele”, diz Segatto. “Se olharmos a radicalidade do que prometiam, praticamente não fizeram nada. As poucas coisas que tentaram fazer, especialmente no ensino superior, foram rechaçadas pelo próprio Congresso Nacional”, completa Gomes.

Já as que foram efetivamente colocadas em prática são políticas que não contam com apoio da comunidade de educação, não encontram embasamento em estudos que apontem para a melhoria nos processos de ensino e aprendizagem com sua adoção e tiveram pouca repercussão imediata. Entre essas políticas estão as escolas cívico-militares. “Tivemos um pequeno número delas, se observarmos o número total de escolas públicas no Brasil”, aponta Segatto. Cerca de 200 escolas migraram ou foram criadas dentro deste modelo depois que o programa nacional foi criado, segundo estimativa divulgada pelo governo federal em 2023, quando anunciou o fim do mesmo.

Uma das principais críticas a este modelo está na separação entre as áreas pedagógica e administrativa. “As pesquisas sobre a gestão escolar mostram que os melhores resultados são obtidos quando se unem as duas áreas para que se pense em planos, objetivos e recursos para se obter os resultados pedagógicos”, aponta Segatto. A outra crítica está na falta de análise sobre a eficácia do modelo em relação a melhoria do aprendizado dos alunos. Quando existe alguma, se baseia em estudo de caso abarcando escolas que se encontram em contextos muito particulares, com recursos e condições específicos, e que fazem seleção dos alunos que vão estudar na unidade. “As características e dinâmicas que explicam os resultados não são relacionadas à gestão militar”, diz Segatto.

Outra política que chegou a ser implementada foi a de alfabetização. “A proposta original foi sendo mudada para ter maior aceitação e a adesão foi baixa”, lembra Gomes. De acordo com Segatto, a implementação foi incompleta ou parcial, já que a adesão de estados e municípios não significou a implementação por eles.“Os programas das escolas cívico-militares e de alfabetização conseguiram avançar porque não precisavam de aprovação no Congresso Nacional”, explica ela.

Uma terceira política que o governo Bolsonaro tentou implementar foi o homeschooling - o ensino domiciliar. Esta fracassou depois de decisão da Suprema Corte, que considerou o programa inconstitucional. A iniciativa interessava mais a ala ligada a Damares Alves, que comandou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos na gestão anterior. No Brasil, o homeschooling não é legalmente autorizado.

Eficiência no corte de investimento e no desmantelamento

O estágio atual da implementação das escolas cívico-militares em São Paulo

Apesar de aguardar pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), a criação das escolas cívico-militares já teve um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) que classifica o modelo como inconstitucional. O governo estadual paulista anunciou, em julho último, que 300 diretores de escolas manifestaram interesse em migrar para o modelo cívico-militar, entre as que atendiam critérios pré-definidos para participar do projeto, como baixo desempenho escolar e localização em áreas vulneráveis.

Pelos planos do governo estadual, 45 escolas cívico-militares devem ser implantadas em 2025, com R$ 7,2 milhões do orçamento da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) sendo direcionados para o pagamento dos chamados monitores militares. As escolas que manifestaram interesse ficaram responsáveis por fazer um processo de consulta pública, realizado ao longo de agosto, na comunidade escolar local para que votem pela adesão ou não ao modelo.

Um dos quesitos em que o governo federal anterior teve sucesso foi na redução dos recursos. A educação básica sofreu um decréscimo de 1,6% no período Bolsonaro. O ensino superior, por outro lado, teve corte de 37% entre 2020-2023 quando comparado a 2016-2020. E, apesar de ser contra o novo Fundo Nacional para a Educação Básica (Fundeb), o governo Bolsonaro teve de admitir a tramitação e aprovação do projeto de lei que o estabeleceu, sob pena de arcar com o ônus político de não aprovar uma medida que era consensualmente bem vista pelo Congresso Nacional, pelos estados e municípios.

A conclusão é que o governo Bolsonaro foi mais eficiente no desmantelamento do que na construção de políticas e iniciativas. Foi o primeiro governo desde a Constituição Cidadã de 1988 a abdicar do papel de coordenador nacional de diversas políticas públicas, o que incluiu a de educação. “Desde meados dos anos 1990, o papel do governo federal na educação é o de estabelecer diretrizes e incentivos básicos, apoiar os estados e, principalmente, os municípios, que têm capacidades estatais muito baixas, na perspectiva de se corrigir desigualdades. O governo Bolsonaro é o primeiro que abandona totalmente seu papel de coordenador nacional e isto é uma decisão política”, afirma Sandra Gomes.

Segundo Catarina Segatto, a consequência dessa escolha é o desmantelamento de políticas porque estados e municípios não vão ter capacidade de manter as políticas que implementavam quando contavam com o recebimento de recursos federais. “Esse desmantelamento só não teve piores consequências porque a educação conta com lei constitucional que obriga estados e municípios a aplicarem, no mínimo, 25% de sua receita em educação, e porque temos o Fundeb”, complementa.

Outra área da educação que sofreu esse processo foi a de inclusão e diversidade. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) foi extinta nos primeiros dias do governo Bolsonaro. “O tema da inclusão e diversidade foi retirado da agenda”, recorda Segatto.

Em uma outra pesquisa ainda a ser concluída, as pesquisadoras estão analisando as propostas da extrema-direita em educação em diversos países. “Neste mapeamento estamos vendo semelhanças entre o Brasil e outras propostas, como a ordem e a disciplina serem vistos como os principais problemas da educação no país”, conta Segatto.

Os resultados do mapeamento feito pelas pesquisadoras foram publicados em Credit-Claiming and Nondecision-Making as an Ideological Agenda: Did Bolsonaro Succeed in Changing Education Policies in Brazil?, um dos capítulos do livro Social Policies in Times of Austerity and Populism Lessons from Brazil, editado por Natália Sátyro (saiba mais sobre o livro aqui.) Já o estudo que investiga as propostas para a educação da extrema-direita, incluindo medidas adotadas ou nos planos de governos eleitos, está em fase de conclusão para ser publicado futuramente.


Sobre o CEM
Criado em 2000, com início das atividades em 2001, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e, recentemente, também passou a ser um Centro de Pesquisa e Inovação Especial da Universidade de São Paulo (CEPIx-USP). O CEM reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos


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