Estados que preservaram orçamento em educação em 2020 evoluíram positivamente no ensino à distância neste ano

Sem coordenação do governo federal nas ações em educação, aumentou a desigualdade regional, com prejuízo maior para estados mais pobres, destaca estudo da Rede de Pesquisa Solidária que contou com participação de Ursula Peres, pesquisadora do CEM.

Janaína Simões

Os estados mais ricos foram aqueles que estruturaram os planos de educação remota mais abrangentes, a despeito da decisão individual de penalizar, ou não, o orçamento da educação. Além disso, os estados que tiveram maior evolução em seus programas de ensino remoto para a rede pública neste ano de 2021 foram aqueles que optaram por preservar o orçamento em educação no ano passado.

É o que aponta a Nota Técnica 33 da série ‘Políticas Públicas e as Respostas da Sociedade”, produzida pela Rede de Pesquisa Solidária (RPS), da qual o Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp) faz parte. Ursula Peres, pesquisadora do CEM, é uma das autoras da NT 33, que investiga se houve melhorias na qualidade dos programas de ensino remoto introduzidos no ano de 2020 e explora como as decisões orçamentárias dos estados influenciaram a qualidade dos programas de ensino remoto.

A NT 33 lembra que os estados mais ricos já tinham melhor capacidade instalada (considerando-se sua estrutura física e principalmente, capital humano) e, por isso, teriam feito bons programas independentemente de qualquer ajuda financeira. Os dados mostram, ainda, que nem a qualidade pré-pandemia do sistema educacional dos estados e do Distrito Federal, nem o comprometimento mais forte com as políticas de distanciamento social tiveram correlação com a adoção de programas de ensino a distância mais robustos.

Como é feita a avaliação da melhoria de qualidade

Para fazer a avaliação da qualidade do ensino à distância ofertado pelo setor público, os pesquisadores utilizaram o Índice de Ensino a Distância (IEAD), desenvolvido pela RPS em 2020 para monitorar a qualidade do ensino remoto nas redes públicas dos estados, do Distrito Federal e das capitais estaduais.

Para estabelecer o índice, os pesquisadores fazem uma coleta de dados em decretos publicados pelos governos estaduais e pelas capitais e por publicações oficiais nos sites das secretarias de educação. O índice é formado por quatro componentes: os meios e canais utilizados para oferecer aulas a distância, vídeos ou conteúdo educacional aos estudantes, como rádio, televisão ou internet; os materiais, dispositivos e tecnologias disponibilizados para oferecer a alunos e professores acesso às aulas e aos conteúdos, como celulares, tablets, apostilas ou quaisquer formas de subsídio à internet; as responsabilidades de supervisionar e garantir a frequência dos alunos nas aulas, além do monitoramento das atividades propostas; os níveis educacionais cobertos, como infantil, fundamental e médio. O IEAD varia em uma escala de 0 a 10.

O IEAD aponta que o alcance potencial dos programas melhorou na totalidade das unidades da federação em 2021, o que indica que se compreendeu que o ensino presencial não exclui o ensino remoto, o qual pode, e deve, ser aprimorado. Sem ajuda efetiva do Ministério da Educação e do governo federal para ofertar o ensino remoto, os estados lidaram com os desafios de 2020 e chegaram em 2021 com planos mais robustos.

No conjunto, a média dos estados subiu de 2,7 para 5,1 (aumento equivalente a 86,7%). O estado que experimentou a menor variação positiva no IEAD foi o Rio de Janeiro, onde o índice aumentou 14,4%. A maior variação positiva foi a do estado da Bahia, em que o índice subiu de 0 para 4,4%. A categoria que mais avançou foi “Acesso”, que experimentou uma variação positiva de 108%. O “Acesso” indica se o plano do estado prevê a distribuição de apostilas específicas, dispositivos e/ou subsídio para acessar a internet. Esses dados mostram que, ao invés de abandonar o ensino remoto por causa das deficiências dos programas e substituí-los pela educação inteiramente presencial no ano de 2021, os estados buscaram aperfeiçoar o ensino a distância.

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O comportamento orçamentário e o IEAD

Em média, a despesa dos estados com educação caiu 9,1% em comparação com o ano anterior, em movimento descendente que destoou do comportamento da Receita Corrente Líquida (RCL), que teve elevação de, em média, 2,4%. Apesar de apenas quatro estados (Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro, Roraima e São Paulo) terem verificado queda na RCL, com exceção do estado de Rondônia, a totalidade deles comprimiu a despesa com educação.

Essa queda, porém, não é compatível com a situação. As escolas fechadas poderiam implicar em redução das despesas com água, energia e limpeza, por exemplo, mas, por outro lado, foi preciso investir no ensino remoto e na adaptação da infraestrutura escolar para retomada das aulas presenciais em 2021.

Além disso, é preciso considerar que o governo federal concedeu diversos auxílios a estados e municípios, como a suspensão do pagamento da dívida. No caso dos estados, por exemplo, essa suspensão implicou em uma redução de 45% nas despesas com juros e amortização relativamente a 2019. Dinheiro que ‘sobrou’ para que os estados investissem em áreas como a educação.

A NT revela também que nem a qualidade inicial nem as políticas mais rígidas de distanciamento social traduziram-se em melhores programas de ensino a distância. A única variável que ajuda a explicar a variação em IEAD é o Produto Interno Bruto (PIB) per capita. “Ou seja, os estados mais ricos encontram-se mais capacitados para financiar programas de ensino remoto mais ambiciosos e comprometer-se com eles em 2020”, aponta.

As notas de 2021 dependeram, na verdade, da escolha do estado de cortar ou não o orçamento da educação no ano anterior. Ao cruzar o IEAD com o orçamento em educação, é possível ver que o aprendizado institucional foi global, pois todos os estados experimentaram melhora, mas isto foi mais intenso naqueles estados que preservaram o orçamento da educação em 2020.

Ao final, a NT traz recomendações para o poder público. Além de Ursula Peres, do CEM, assinam a NT Lorena Barberia (USP), Fábio Pereira dos Santos (Técnico da Câmara Municipal de São Paulo), Ingrid C. L. Silva (USP), Luiz Guilherme Roth Cantarelli (USP), Pedro H. S. Schmalz (USP), Dara A. Vilela (USP) e Maíra Meyer (USP). A pesquisa pode ser lida na íntegra aqui.


Sobre o CEM:
Criado em 2000, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.


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