Novo livro do CEM analisa os ativismos e a participação no recente processo de erosão da democracia no Brasil
O Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp) acaba de lançar o livro “Participação e Ativismos: Entre Retrocessos e Resistências”, que discute a crise da democracia do ponto de vista das relações entre Estado e sociedade, tomando os processos de democratização e desdemocratização como resultado do confronto político estabelecido entre as elites, as autoridades e agentes políticos, e os movimentos sociais. O foco são tanto os processos que promoveram a erosão da democracia brasileira após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, que desmontou boa parte das iniciativas que haviam aberto espaço para a participação popular na discussão e implementação de políticas públicas no período anterior, quanto a reconfiguração dos ativismos e da participação social em face desse cenário ameaçador .
Trata-se de um conjunto de estudos inovador por escapar de um traço comum na análise na ciência política, que que tende a privilegiar os chamados atores politicamente relevantes, ou seja, as disputas entre as elites e os impactos sobre as instituições democráticas. A democratização e a desdemocratização mal podem ser compreendidos se isolados dos processos mais amplos de mobilização e disputa social dos problemas públicos. O livro é organizado por Luciana Tatagiba, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Débora Rezende de Almeida, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB); Adrian Gurza Lavalle, vice-diretor do CEM e professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (DCP-FFLCH/USP); e Marcelo Kunrath Silva, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A publicação é da Editora Zouk.
Ao analisar o acelerado processo de desdemocratização em curso no Brasil, os autores dos capítulos do livro fazem um esforço para mostrar que a relação entre participação ativismos e democracia é contenciosa e disputada e direções diversas, permitindo “compreender como as atuais disputas pelo acesso aos recursos públicos e à direção política da sociedade, em um contexto político caracterizado pelo avanço da extrema direita, produzem e são resultantes, ao mesmo tempo, de mudanças nos padrões de mobilização social e do ativismo”, como descrevem os organizadores na Introdução.
O livro situa o início do processo de desdemocratização no país com a crise política aberta em 2014, quando o candidato derrotado à presidência contestou o resultado da eleição, o qual acabaria por resultar posteriormente no impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, em 2016; no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, e na prisão do presidente Lula, fatos ocorridos em 2018; e na eleição da extrema direita em 2019.
Nas Jornadas de junho de 2013 já se anunciaram insatisfações acumuladas e era possível notar a capacidade de atores sociais conservadores de significar tais insatisfações para usá-las em sua pauta política. A ascensão de uma nova extrema direita ao poder, resultado de um processo de organização deste grupo na sociedade civil, ocorreu ao longo dos anos 1990 e 2000 e “trouxe à luz o autoritarismo social que estava submerso na redemocratização e permaneceu na cultura política do País”, lembram os organizadores do livro, também no capítulo introdutório.
Livro organizado em três partes
O conjunto de capítulos foi dividido em três blocos temáticos. O primeiro engloba textos que abordam o tema “A desdemocratização e seus impactos sobre a participação institucional” e tem por objetivo demonstrar que, embora a extrema direita tenha travado uma “verdadeira cruzada” contra o ativismo e as instituições participativas no Brasil, os resultados que ela alcançou foram diversos. “Estes impactos variaram segundo um conjunto de fatores, mas, especialmente, a trajetória do setor de política pública, o grau de institucionalização das instituições participativas (IPs), a capacidade de resistência das comunidades de políticas e o lugar dessas IPs nas estratégias de tais comunidades”, reportam os organizadores.
Neste bloco está o primeiro capítulo, que analisa o impacto do decreto presidencial 9.759/2019, pelo qual o governo Bolsonaro extinguiu ou alterou a composição de diversos colegiados nacionais. O segundo capítulo discute a mudança no papel das IPs durante o governo de Bolsonaro. O terceiro foca a análise nos movimentos ligados às reformas agrária e urbana. O quarto capítulo propõe o estudo do processo de democratização e desdemocratização em um período temporal alargado, englobando as ações do Congresso Nacional e do poder judiciário na análise desses dois períodos.
A segunda parte do livro reúne textos que discutem o tema “Novos personagens, novas cenas”, buscando captar a renovação do ativismo na última década, seus impactos políticos-institucionais e a relação com os processos de democratização e desdemocratização em curso. O objetivo é trazer à luz os novos sujeitos da participação e do ativismo, situados à direita e à esquerda do espectro político, online e offline, que passaram a adquirir centralidade no cenário político nacional no período estudado.
Fazem parte deste bloco o capítulo cinco, que trata do fenômeno das candidaturas e mandatos coletivos, e o seis, sobre o ativismo evangélico progressista. No capítulo sete, também integrante desta parte do livro, os autores tratam do anti-intelectualismo e ativismo científico no Brasil contemporâneo. Os dois últimos capítulos deste bloco falam das estratégias do ativismo digital de direita, e do movimento Escola Sem Partido, com projeto de lei tramitado na Câmara Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, servindo como estudo de caso.
A terceira e última parte do livro, “Participação e ativismos: sentidos (novamente) em disputa”, é composta por textos que “refletem sobre as formas pelas quais as profundas transformações da conjuntura têm desafiado os conceitos de participação e ativismo, buscando formular novas questões e olhares para a pesquisa do tema diante do novo contexto.” Trata-se de discussões teórico-metodológicas que contribuem para as novas pesquisas sobre o tema.
Neste bloco está o capítulo 10, que aborda a conexão e tensões entre a participação como categoria da prática política e como categoria teórica, oferecendo um diagnóstico dos efeitos políticos da primeira. No capítulo seguinte, é trabalhada a categoria coletivos ativistas, uma inovação surgida após os protestos de junho de 2013, trazendo uma análise sobre como essa categoria se diferencia, em termos de práticas e gramática, de outras já existentes, como a de movimentos sociais. No capítulo 12, o assunto é a compreensão do do ativismo digital mediante correção de seu conceito e de uma abordagem centrada nas práticas dos ativistas; para tanto, as autoras se utilizam dos casos das campanhas a favor e contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O capítulo 13 elucida aspectos da ampliação da participação democrática e as transformações na comunicação relacionados à crescente desinformação e deslegitimação do saber autorizado. O capítulo 14 discute formas de integrar a sociedade ao processo da produção científica, trazendo como exemplo uma iniciativa voltada ao diagnóstico de problemas e soluções para a recuperação da Bacia do Rio Doce no Espírito Santo. O último capítulo examina o processo de institucionalização das demandas de movimentos e atores sociais na formulação e aprovação de políticas inclusivas nas áreas da saúde, assistência social e direitos humanos.
Para saber mais sobre o livro, como acessar o índice, ver os nomes dos autores e ler o capítulo de introdução, clique aqui.
Sobre o CEM:
Criado em 2000, com início das atividades em 2001, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.
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