Sustentabilidade do quadro fiscal positivo dos Estados e DF no início de 2022 é incerta para o restante do ano
Um quadro contraditório se desenha a partir da análise da execução orçamentária dos Estados e Distrito Federal (DF) no primeiro semestre de 2022. Ao mesmo tempo em que se registra aumento real de 10,6% das Receitas Correntes Líquidas (RCL) em relação ao mesmo período de 2021 e um saldo aumentando no caixa de Estados e DF, o que demonstra que poderia (e deveria) ter havido um volume ainda maior de investimentos ao se considerar a proporção da receita total e as necessidades de infraestrutura e equipamentos sociais do País. Além disso, as recentes alterações impostas pelo governo federal no que se refere ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) colocam em dúvida a sustentabilidade do processo de crescimento das receitas estaduais e dos investimentos.
Este é o retrato registrado pela 18ª Nota Técnica “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades” do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp), produzida por Ursula Peres, pesquisadora do CEM e professora da EACH-USP, e Fábio Pereira dos Santos, pesquisador associado ao CEM e técnico da Câmara Municipal de São Paulo. Eles levantaram os dados sobre a execução orçamentária dos Estados e Distrito Federal do primeiro semestre deste ano e compararam com o mesmo período de 2021 e 2019, o ano pré-pandemia.
A execução orçamentária dos estados foi analisada com foco na variação da Receitas Correntes Líquidas (RCL), da qual o componente mais relevante é o valor arrecadado com o ICMS, principal imposto estadual e foco recente de disputa com o governo federal, e também no Fundo de Participação dos Estados (FPE), cuja finalidade maior é equilibrar a capacidade de financiamento entre Estados de maior e menor capacidade tributária própria.
A RCL mostrou crescimento real de 10,6% no primeiro semestre deste ano. A variação positiva se deu em todos os Estados. “Quando comparada à RCL do primeiro semestre de 2021, o crescimento agregado da RCL das UFs no primeiro semestre de 2022 foi de 10,6%, com destaque para Mato Grosso e Rio de Janeiro, com variação superior a 20%, e para o Rio Grande do Sul, com queda de 8,5%”, afirma a NT.
Uma das explicações para o aumento da RCL é o ICMS. Houve aumento de 5% na arrecadação, em termos reais, deste imposto em relação ao primeiro semestre de 2021. Estados como Espírito Santo, Mato Grosso, Pará e Santa Catarina tiveram aumentos de mais de 10% nesse período. No entanto, outros seis Estados tiveram queda real de arrecadação de ICMS quando comparados ao mesmo período de 2021.
Um dos pontos críticos para o cenário futuro está justamente no ICMS. Este crescimento em 2021 e 2022 se relaciona à retomada da economia com a redução dos casos de Covid-19 e à elevação significativa do preço dos combustíveis e energia elétrica nestes anos. São estes os principais itens sobre os quais incide o imposto. “Esse cenário deve mudar, no entanto, a partir deste segundo semestre de 2022, com a vigência da Lei Complementar 194/2022, que resultou em redução da alíquota do ICMS de combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte e deve provocar perda anual de arrecadação para as UFs estimada entre R$ 60 e R$ 80 bilhões, conforme dados do Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária]”, apontam os pesquisadores na NT.
Mesmo que se mantenha a compensação da União aos estados pela perda de arrecadação, esta se restringirá a 2022. “Assim, a partir de 2023 essa mudança vai redefinir o patamar de receitas dos Estados e do DF, e consequentemente, também dos municípios”, completam.
Outro componente importante que explica o aumento da RCL é o FPE, que cresceu 13,9% no primeiro semestre de 2022 em relação a 2021. Este aumento foi decorrência do crescimento do principal imposto que compõe esse fundo, o Imposto de Renda arrecadado pelo governo federal. As receitas com Outras Transferências Correntes foram 30,2% superiores em 2022 em relação a 2021, também contribuindo para a ampliação da RCL.
Para onde foi o dinheiro
Os pesquisadores analisaram, ainda, as despesas por Grupo de Natureza da Despesa (GND). Houve um crescimento dos investimentos, que chegaram a 6,5% das despesas dos Estados no primeiro semestre de 2022 ante 1,9% em 2019. Já as despesas com pessoal e encargos sociais caíram de 55,2% em 2019 para 51,4% em 2022, o que se explica pelo congelamento de reajustes e alterações salariais para o setor público durante a pandemia.
Eles estudaram também as despesas dos estados por funções de governo. Neste caso, destaca-se o aumento expressivo das despesas associadas aos investimentos, como infraestrutura, saneamento, habitação e transportes, além das despesas com educação, saúde e assistência social, núcleo das políticas sociais, cujos números são detalhados pela NT. “As funções previdência social e segurança pública chamaram a atenção por sua relativa estagnação em termos de gastos reais desde 2019, e queda real em várias Unidades da Federação (UFs)”, apontam os pesquisadores.
No primeiro semestre de 2022, as despesas estaduais com educação, por exemplo, tiveram um dos maiores aumentos reais dentre as várias funções: 24,9% em relação a 2021. O aumento das despesas se deu em praticamente todos os Estados no período, em razão, principalmente, da elevação da arrecadação do ICMS, já que por determinação constitucional devem ser aplicados em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, no mínimo, 25% do arrecadado do ICMS.
Outro dado importante trazido à luz pela NT é o aumento significativo na disponibilidade de caixa nos Estados e DF: em 2019, era de R$ 49,1 bilhões, passando para R$ 99,9 bilhões em 2021 e R$ 191,4 bilhões em 2022. Trata-se de uma variação de 389,9% entre 2019 e 2022. Esta folga orçamentária se explica pelo recorde inesperado de arrecadação do ICMS e por dificuldades de execução orçamentária causadas pela pandemia.
Apesar do quadro positivo no que se refere aos investimentos e execução de políticas públicas e do fato de o saldo de caixa dos Estados seguir crescendo neste ano, há um déficit imenso no atendimento da população em várias áreas. “Temos a política de educação, por exemplo, com serviços que regrediram durante a pandemia, e a de infraestrutura de saneamento e habitação, há anos sem investimentos suficientes e pressionadas pela pobreza crescente”, destacam os pesquisadores.
“Além disso, a mudança recente nas alíquotas do ICMS deve produzir alterações na arrecadação desse imposto a partir do segundo semestre de 2022, com previsão incerta de compensação de perdas pela União. O cenário político e macroeconômico torna difícil prever a sustentabilidade futura desse quadro favorável do primeiro semestre de 2022”, acrescentam.
Clique aqui para acessar na íntegra a 18ª Nota Técnica “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades: Execução Orçamentária dos Estados e do Distrito Federal - 1º Semestre 2022”. Para ler as demais Notas Técnicas, clique aqui.
Sobre o CEM:
Criado em 2000, com início das atividades em 2001, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.
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