Novo livro do CEM discute vida social, política, econômica e subjetiva das e nas periferias 

Conjunto de pesquisas realizadas sobre Sapopemba, em São Paulo, destaca heterogeneidade do espaço periférico, evolução do conceito ao longo do tempo e como isto impacta políticas públicas.

Janaína Simões

Periferia é um termo usado indistintamente por pessoas e pela mídia para se referir aos bairros afastados dos centros das cidades e caracterizados, supostamente, pela violência e falta de infraestrutura. A mais recente publicação do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) mostra, por meio de uma coletânea de pesquisas sobre em bairros do distrito de Sapopemba, na zona leste da cidade de São Paulo, que esta definição é muito restrita. No mundo real, a periferia é um território espacialmente muito heterogêneo e a distância geográfica e a violência são apenas dois elementos que podem caracterizar um espaço periférico. Além disso, os estudos apontam que a definição do que é periferia evoluiu ao longo do tempo, e isto não importa apenas do ponto de vista acadêmico, pois esta evolução causou impacto na forma como a política pública tratou a periferia e sua população. 

O livro “Espaços periféricos: política, violência e território nas bordas da cidade”, da Editora UFSCar, foi lançado no dia 12 de fevereiro, com um seminário online com apresentação dos organizadores - Matthew Aaron Richmond, Moisés Kopper, Valéria Cristina de Oliveira e Jaqueline Garza Placencia - e comentários do diretor do CEM, professor Eduardo Marques, que escreveu o capítulo de Introdução da obra. A transmissão do seminário foi realizada pelo canal do CEM no Youtube

Estrutura

Publicado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o livro é estruturado em três grandes seções - Estado e Políticas Públicas; Crime e Violência; Transformações Socioespaciais. Suas 270 páginas reúnem uma coletânea de pesquisas, que toma uma determinada referência socioespacial, o distrito de Sapopemba, e olha para ela de diferentes perspectivas. Apesar de a maioria dos estudos terem sido realizados por pesquisadores filiados ao CEM, há também a participação de pesquisadores de outras instituições. Os trabalhos de campo, em grande parte, foram realizados entre 2016 e 2018.

“Nosso objetivo com esta publicação foi reunir um conjunto de pesquisas que possibilita identificar as formas de heterogeneidade que existem na periferia hoje em dia. Sapopemba, embora não seja uma periferia extrema no sentido geográfico e em relação a alguns indicadores, como o de violência, por exemplo, é um microcosmo que pode revelar aspectos mais gerais das periferias”, diz Matthew. “Temos diversos pesquisadores olhando para diferentes problemas de pesquisa, fazendo uso de diferentes repertórios teóricos-metodológicos, para construir uma compreensão de uma mesma região”, completa Valéria. 

Segundo Matthew, o conceito de periferia se aplica a bairros originalmente produzidos a partir da autoconstrução, de uma forma pouco regulamentada na sua origem, e que depois passam por processos de fortalecimento de políticas públicas, de consolidação física, transformações socioespaciais que produzem novas camadas nesses espaços. “Esse processo originário continua muito importante para entender estes espaços como distintos do centro expandido”, explica ele. 

Moisés destaca que o livro busca pensar como a literatura de Ciências Sociais no Brasil lidou com o espaço periférico, com análises a partir dos anos 1960 até a atualidade, tendo em mente os contextos políticos, econômicos e sociais em que essa literatura foi surgindo e que respostas eram buscadas. “Fizemos um esforço para estabelecer períodos diferentes em que a literatura tratou deste tema, analisando os aportes teóricos e questões metodológicas e empíricas a cada um destes períodos”, conta. “Além disso, procuramos analisar as consequências de se definir a periferia num dado momento como sendo, por exemplo, apenas uma relação de distanciamento geográfico em relação ao centro da cidade: que efeitos isto tem em termos de produção de um olhar sobre a periferia, como isto ajuda a definir ou não acesso a políticas públicas, como sujeitos que vivem nestes lugares se relacionam com esta definição hegemônica, como resistem a elas, que definições produzem a partir das suas vivências”, continua.

 

Ele exemplifica com a literatura que surge a partir dos anos 1980 na Antropologia e Sociologia Urbana, que define o espaço periférico a partir dos modos de vida, de grupos de moradores locais, se colocando, assim, contra uma definição anterior, que definia espaços periféricos vistos de fora, de cima para baixo, como uma simples oposição em relação ao centro da cidade, portanto um espaço precário, com falta de infraestrutura. “Esta literatura que emerge visa justamente dizer que há vida, há diversidade. Os moradores destes locais não se definem a partir deste conceito hegemônico. Nossa atenção e esforço foram direcionados para chamar atenção sobre como essas definições variam ao longo do tempo, de acordo com o contexto social, econômico e político de cada período” afirma.

Moisés comenta ainda que os pesquisadores prestam atenção a como os atores, como os agentes de Estado e as organizações sociais, estão constantemente tentando definir o que significa estar na periferia, o que é o espaço periférico em termos culturais, sociais, econômicos e políticos e como essas definições estão em disputa. Há ainda o esforço por parte das várias organizações que atuam dentro da periferia para sair dos estereótipos, das limitações clássicas que definem o que é periferia.

Sapopemba: microcosmo que representa o que é periferia

A escolha do bairro do Sapopemba tem razões teóricas e pragmáticas. Pesquisadores que já integraram o CEM, com destaque para Gabriel Feltran, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), desenvolveram diversos estudos ao longo dos anos neste distrito de São Paulo, o que permitiu reunir um conjunto expressivo de dados sobre o local. “Isto aproximava a gente do campo, algo importante para pesquisas deste tipo: ter entrada, conhecer as pessoas. Além disto, é uma região que tem um histórico muito importante nesta discussão sobre periferia, dado o engajamento da sociedade civil, da população, em uma movimentação por melhoria, uma luta por políticas públicas voltadas para aquela parte da cidade”, diz Valéria.

Os organizadores ressaltam que, apesar de o foco ser um bairro específico da capital paulista, a discussão se dá em um âmbito mais amplo. “Nosso conceito de espaço periférico não se aplica só ao Sapopemba. No caso, as pesquisas realizadas ali, se valendo da pluralidade de perspectivas teórico-metodológicas, trazem uma discussão que faz uso de um conceito-base que não se aplica só para aquele espaço”, complementa ela.

Para Matthew, trata-se de um território espacialmente muito heterogêneo. Ele dá como exemplo desta heterogeneidade as diferentes formas de habitação. “Há um histórico de produção de espaço que tem muitas singularidades, mas também, de alguma forma, parece que pode ser lido como um microcosmo das periferias, de uma forma mais ampla. Tem habitação social, mutirões, autoconstrução mais consolidada, favelas”, destaca ele.

Valéria aponta ainda que o conjunto de pesquisas extrapola a questão da violência como sendo elemento estruturante dos espaços periféricos. “Abordamos outros temas para refletir sobre esses espaços, claro que, de alguma forma, sendo atravessados por esse contexto, mas que não se encerra só neste. Mesmo os textos que discutem mais centralmente o tema da violência é permeado por outros que são importantes para a constituição daquele espaço”, afirma. Jaqueline lembra que dois capítulos falam sobre a política de atendimento socioeducativo. “Temos aí outras políticas que estão abordando a temática da violência, mas sob outra perspectiva, muito mais focada nas questões da implementação das políticas no território”, conclui.

Consulte aqui o índice do livro, que está disponível para compra no site da EDUFSCar. Veja o seminário de lançamento no perfil do CEM no Youtube.


Sobre o CEM:
Criado em 2000, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Universidade de São Paulo (USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.


Atendimento à imprensa
Janaína Simões
Assessoria de Comunicação do CEM
E-mail: imprensa.cem@usp.br
Fone: 55 (11) 3091-2097 / 55 (11) 99903-6604