Prefeitura deixa de investir R$ 1 bilhão do Fundurb, o Fundo de Desenvolvimento Urbano

Nota Técnica do CEM analisa a destinação dos recursos do Fundurb após mudanças do Plano Diretor Estratégico de 2014. Investimento em subprefeituras periféricas é um dos destaques.

Janaína Simões

A Prefeitura de São Paulo deixou de investir cerca de R$ 1 bilhão do saldo do Fundo de Desenvolvimento Urbano ( Fundurb) em 2020, aponta a quarta Nota Técnica “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades”, do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp), sediado no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Os pesquisadores Diego Strobel, Jéssica Alves Magalhães e Giusepe Filocomo, que assinam a Nota Técnica com supervisão de Ursula Peres, pesquisadora do CEM e professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH), analisaram os mecanismos, instrumentos de financiamento e destinação do Fundurb desde as mudanças trazidas pelo Plano Diretor Estratégico de 2014 até o ano de 2020. O Fundurb foi instituído em 2002 e é um dos mecanismos de financiamento do desenvolvimento urbano previsto no Plano Diretor Estratégico (PDE). 

O fundo foi mantido na revisão do PDE em 2014 e seu saldo foi desvinculado em 2020 por decreto, em razão da necessidade de se direcionar recursos para o enfrentamento da pandemia da covid-19. Com isso, esse recurso em caixa poderá ser aplicado pela Prefeitura em outras áreas que não as determinadas pela lei que criou o Fundurb, com o compromisso de devolver os recursos ao Fundo em até oito anos.

A Nota Técnica 05 “Financiando o Desenvolvimento Urbano: o Fundurb e Outorga Onerosa” mostra que a nova regulamentação da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) incrementou a receita do Fundurb. A OODC consiste em uma contrapartida financeira para se construir além do potencial construtivo básico ou coeficiente de aproveitamento básico permitido pela regulação urbanística. 

O Fundurb foi criado justamente para alocar a arrecadação de OODC que não estivesse associada a uma operação urbana específica. A receita proveniente da OODC vai para o Fundurb, que deve, por sua vez, distribuir espacialmente os investimentos em infraestrutura, com especial atenção às regiões menos favorecidas da cidade, como política de redução de desigualdades. 

Apesar desse incremento, os pesquisadores constataram que o volume de receita efetivamente arrecadado não foi integralmente utilizado em nenhum ano no período analisado. Por isso, o Fundo tinha um saldo de cerca de R$ 1 bilhão em 2020. Deixar saldos para exercícios seguintes não constitui uma infração legal, mas “a não execução dos recursos do fundo chama atenção tendo em vista a demanda não atendida em habitação social e mobilidade urbana”, destaca a NT. 

Na revisão de 2014, definiu-se uma parcela mínima anual de 30% do Fundurb para aplicação em Habitação de Interesse Social (HIS) e 30% para investimentos em sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres. “Tais inovações, entretanto, se concretizaram apenas a partir de 2018, graças à articulação de motivos normativos, operacionais e relativos à dinâmica econômica e imobiliária formal na cidade”, aponta a NT. 

Ao mapear a aplicação dos recursos do Fundurb, os pesquisadores mostram ainda que, diferentemente das Operações Urbanas, o Fundurb conseguiu arrecadar no centro expandido e viabilizar investimentos em regiões mais periféricas da cidade, como é seu objetivo. 

A evolução do Fundurb: receitas e despesas

Ao avaliar o efetivo uso dos recursos do Fundurb por função e por órgão, observa-se que em nenhum ano a utilização se deu na totalidade do que foi previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA). Como resultado, o saldo financeiro do fundo foi crescente. 

Em 2014, ano da revisão do PDE, a receita do Fundurb era de R$ 332 milhões. Até 2018, não houve grande variação nesse valor, mas, naquele ano a receita subiu para R$ 449 milhões, e quase duplicou em 2019, alcançando R$ 881 milhões, como produto do aquecimento do mercado da promoção imobiliária. Tal ciclo foi motivado especialmente pela redução da Taxa Selic, provocando uma migração de investidores para esse setor da economia. Em 2020, já no período de pandemia, o saldo do Fundo caiu para R$ 617 milhões, valor ainda superior ao de 2018. 

Já as despesas mostram como e quais valores do Fundurb foram aplicados. Em 2014, o orçado estava em R$ 500 milhões, mas menos de R$ 300 milhões foram efetivamente aplicados (liquidados). Os valores do orçamento, empenhados e liquidados até 2018, sofreram uma queda. Em 2018, o orçamento foi de cerca de R$ 220 milhões, mas o liquidado foi pouco superior a R$ 100 milhões. 

“Entre 2014 e 2018, a relação entre o que foi liquidado diante do que foi empenhado foi em média 73%, ou seja, em nenhum ano houve a total execução dos recursos previstos. No ano de 2019 essa relação caiu ainda mais, para 41% dos recursos empenhados. Ou seja, o volume da arrecadação aumentou efetivamente no ano de 2019, o que elevou a previsão de despesas, mas elas não foram efetivadas neste volume pela gestão local. De todo modo, comparativamente a 2017 e 2018, a liquidação de 2019 do Fundurb é destacadamente mais alta”, explicam os pesquisadores na NT. 

Saldo de mais de R$ 1 bilhão foi desvinculado em 2020

O saldo é composto pelos valores orçados e empenhados mas não liquidados, e que ficaram no caixa do fundo para uso no ano seguinte. Ele saiu de R$ 185 milhões em 2014 para R$ 237 milhões em 2017. No ano seguinte, mais do que duplicou, saltando para R$ 567 milhões. Em 2019, passou de R$ 1,1 bilhão, se mantendo nesse patamar em 2020. O saldo de R$ 1 bilhão é superior, por exemplo, ao valor gasto na função habitação pelo Fundurb no período de 2014 a 2020, que foi de R$ 831 milhões.

Considerando as demandas da capital paulista, esse saldo acumulado “denota a não priorização e/ou a não urgência desses investimentos, a dificuldade da gestão local em executar esses recursos, ou ainda a possibilidade de compor um saldo de caixa positivo, na direção do superávit fiscal do município”, destacam os pesquisadores. 

Eles lembram ainda que em abril de 2020 o decreto municipal Nº 59.373 permitiu a desvinculação de 100% do saldo de recursos do Fundurb, para transferência ao caixa único da prefeitura e posterior devolução em oito anos. A medida foi adotada em função da crise sanitária, econômica e social causada pela pandemia. “No entanto, é preciso ter controle e cuidado com essa prática, sob risco de se reduzir uma das poucas fontes de recurso que hoje dispõe o município para investir no desenvolvimento urbano”, aconselham. 

Quem mais investiu o Fundurb e em que locais

Os pesquisadores analisaram os investimentos do Fundurb nas gestões de Fernando Haddad (de 2014 a 2016), João Dória (de 2017 a março de 2018), e Bruno Covas (abril de 2018 a 2019). Observa-se a predominância da aplicação dos recursos do fundo nas Secretarias Municipais de Habitação e Infraestrutura Urbana e Obras em todas as administrações. 

Foto: Prefeitura de São Paulo

A NT traz, ainda, mapas que mostram onde os recursos foram investidos por subprefeitura e por ano. No mapa de 2013, vê-se um corredor de concentração de investimentos das subprefeituras Mooca e Sé em direção às subprefeituras Butantã e Capela do Socorro. As subprefeituras Itaquera e Cidade Ademar gastaram as maiores porcentagens em relação ao total liquidado do Fundurb. Em 2015, as subprefeituras Pirituba-Jaraguá, Sé, Itaquera, São Mateus e M'Boi Mirim receberam mais investimentos. Em 2017, os investimentos ficaram focalizados nas subprefeituras Itaquera, Ipiranga, Cidade Ademar e Butantã. Por fim, em 2019, as subprefeituras Lapa, Sé, Vila Maria-Vila Guilherme, Ipiranga, São Mateus e Capela do Socorro foram contempladas com a maior parcela dos investimentos.

A NT 05 “Financiando o Desenvolvimento Urbano: o Fundurb e Outorga Onerosa” pode ser acessada na íntegra aqui e é parte de um conjunto de estudos que estão sendo publicados semanalmente pelo CEM que abordam aspectos do planejamento municipal, como o parque imobiliário, a mobilidade, a participação social e o orçamento. Essa sequência de trabalhos está orientada a informar os debates sobre a revisão do PDE em curso, bem como as discussões que serão promovidas pelo Fórum SP 21, evento que se realiza entre 21 e 30 de setembro e que visa analisar o planejamento urbano da cidade de São Paulo. Mais informações no site oficial do Fórum SP 21.


Sobre o CEM:
Criado em 2000, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.


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