Pesquisa do CEM estima que mais de 3 milhões de pessoas moram em áreas precárias na RMSP
A população em áreas precárias na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é estimada em cerca de 3,28 milhões de pessoas em 1,12 milhões de domicílios, segundo pesquisa conduzida por Eduardo Marques, pesquisador e diretor do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp) e professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (DCP-FFLCH/USP). Os números estimados ultrapassam os registrados pelo IBGE como favelas e comunidades urbanas - 2,9 milhões de habitantes em pouco menos de 1 milhão de domicílios -, mas a comparação com outros censos indica uma lenta convergência entre as estimativas. São considerados assentamentos precários as áreas caracterizadas como favelas e loteamentos clandestinos e irregulares, estimados a partir de métodos estatísticos.
O estudo também destaca a persistência de fortes desigualdades, expressas por exemplo na diferença entre os rendimentos médios, que chegam a quase R$ 5.000,00 nas áreas não precárias, contra cerca de R$ 1.700,00 nas áreas precárias. São Paulo, Guarulhos, São Bernardo, Mauá, Osasco, Itaquaquecetuba, Santo André e Diadema são os municípios que concentram os maiores números absolutos em termos de população residente nessas áreas. Este e os demais resultados da pesquisa são apresentados e discutidos por Marques na 22ª Nota Técnica Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades do CEM “Estimando e caracterizando a precariedade urbana e habitacional na São Paulo de 2022”, que acaba de ser publicada e pode ser acessada aqui.
O estudo mostra uma continuidade do processo de favelização, pois nessas áreas há uma taxa de crescimento populacional mais elevada do que nas demais regiões da RMSP. Não há, porém, uma explosão do fenômeno, já que o aumento da população em regiões precárias foi de 0,86% ao ano entre os Censos Demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 e 2022, contra 0,74% ao ano para o conjunto da população. Marques aponta ainda que a taxa de crescimento do número de domicílios é superior à da população nas áreas precárias, indicando desadensamento domiciliar, com uma redução do número de habitantes por residência, seguindo o mesmo padrão no conjunto da área metropolitana.
A metodologia utilizada neste estudo foi desenvolvida pelo CEM em pesquisas anteriores, de 2008 e 2013, utilizando-se análises estatísticas e geoprocessamento sobre dados dos setores censitários e da pesquisa urbanística do entorno do Censo Demográfico 2022 do IBGE, assim como interpretação visual de imagens de satélite. Apesar de apresentar algum nível de detalhamento, a pesquisa não é capaz de estimar números e indicadores de assentamentos específicos, mas apenas para escalas agregadas.
Em 2000, a RMSP tinha 17.476.789 pessoas morando em 4.931.276 domicílios. Dentre esses, segundo os dados de estudo anterior do CEM, 2.616.178 pessoas (15% do total) habitavam 662.137 moradias em áreas precárias (13,4% do total). Em 2010, os números absolutos aumentaram, mas percentualmente caíram: 14,5% das pessoas e 12,9% das moradias estavam em áreas precárias. O estudo desenvolvido agora indica que tais números voltaram a crescer entre 2010 e 2022 - 3.277.955 pessoas e 1.115.647 domicílios se encontram em assentamentos precários, o que representa 16,4% dos habitantes e 15,2% das moradias da RMSP.
No que se refere aos aspectos qualitativos das regiões precárias, que englobam a caracterização social e urbano-habitacional, nota-se a permanência de intensas desigualdades e piores condições de vida nessas áreas em relação ao restante do território metropolitano.
Graus de precariedades em áreas já vulneráveis
“De forma geral, é possível dizer que as áreas de precariedade alojam uma população muito mais pobre, mais jovem, menos idosa, mais preta e parda e com mais chefias muito jovens, femininas e pretas e pardas, além de ter taxa de analfabetismo adulto mais alta”, aponta Marques.
Apesar dessa visão geral, as regiões de precariedade incluem diversidade significativa dentro de seus territórios. Há grande variabilidade em termos de densidade populacional e acesso a infraestruturas entre assentamentos, ou mesmo no interior destes. A pesquisa feita por Marques consegue quantificar e mapear essa diversidade a partir de análise de agrupamentos.
Segundo ele, as principais dimensões da heterogeneidade das áreas precárias estão especialmente associadas à estrutura física dos assentamentos e ao acesso a serviços e infraestruturas, e não às características sociais dos moradores, como a renda, idade ou escolaridade. Para entender melhor e mapear tal heterogeneidade, Marques propôs uma divisão por níveis de precariedade dos assentamentos precários, definindo quatro grupos de acordo com a densidade habitacional (habitantes por quilômetro quadrado), a disponibilidade de serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, coleta de lixo, a infraestrutura viária (pavimentação, bueiros, iluminação, calçadas) e a presença de árvores. Os indicadores gerados pelo pesquisador mostram que a precariedade mais intensa se concentra em cerca de um quinto dos assentamentos, assim como a densidade habitacional excessiva.
O Grupo 1 constitui as áreas que são fronteira de expansão, com densidades mais baixas e serviços precariamente disponíveis. O Grupo 2 apresenta densidade populacional média-baixa, enquanto o 3 tem densidade média e o 4 corresponde a áreas superdensas e consolidadas. O acesso a alguns serviços aumenta gradativamente entre o segundo e o quarto grupo - água, esgoto, pavimentação e acesso apenas de carro. Em outros, o acesso ou disponibilidade piora gradualmente: iluminação, bueiros, calçadas, arborização.
“No conjunto da metrópole, a incidência dos tipos de setores precários é relativamente equânime – 19% no primeiro tipo, 32% no segundo, 35% no terceiro e 14% no último”, revela. Os municípios maiores - São Paulo, Santo André, São Bernardo e Mauá – seguem aproximadamente essas mesmas distribuições, tendo, portanto, a maior parte de setores precários nos Grupos 2 e 3. Guarulhos, por outro lado, concentra mais assentamentos do primeiro tipo, de expansão urbana, Osasco do terceiro, e Diadema do último tipo.
O mapeamento dos grupos revela a distribuição espacial desses tipos na Região Metropolitana. As Regiões Sudoeste e Sudeste, que englobam parte da Zona Sul de São Paulo, Osasco, Taboão da Serra, o ABC, incluem as duas maiores favelas da capital paulista - Paraisópolis e Heliópolis, exemplos do quão heterogêneo, internamente, são os assentamentos precários. Ambas apresentam especial concentração dos Grupos 3, de densidade média, e 4, superdensa. Nota-se, ainda, maior incidência dos tipos intermediários ao Sul do Jardim Ângela e no extremo sul na Cidade Dutra, entre as represas. As regiões Leste e Norte da região metropolitana também apresentam heterogeneidade, mas maior presença relativa dos grupos de menor densidade.
A heterogeneidade, portanto, combina o caráter periférico com o município em que se localiza e região na macrometrópole. “É provável que essa heterogeneidade decorra dos processos de produção dos espaços das várias regiões da metrópole, incluindo os processos localizados de favelização e os programas municipais de urbanização de favelas”, aponta Marques. “Apenas estudos de corte mais localizado poderão confirmar essa hipótese”, conclui.
Acesse a Nota Técnica na íntegra: https://centrodametropole.fflch.usp.br/sites/centrodametropole.fflch.usp.br/files/inline-files/NT-22.pdf
Sobre o CEM
Criado em 2000, com início das atividades em 2001, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e, recentemente, também passou a ser um Centro de Pesquisa e Inovação Especial da Universidade de São Paulo (CEPIx-USP). O CEM reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.
Informações para imprensa:
Janaína Simões
Assessoria de Comunicação e Difusão
Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp)
imprensa.cem@usp.br
Tel. 55 11 3091-2097