PPP da prefeitura de São Paulo para habitação entregou apenas 401 apartamentos em sete anos

Dois editais foram lançados com 11 contratos e consórcios contratados em programa que previa a construção de 34 mil moradias na cidade até 2024.

Janaína Simões

Lançado há sete anos pela prefeitura de São Paulo, o Programa de Parcerias Público-Privada (PPP) Municipal da Habitação entregou apenas um empreendimento, com 401 apartamentos, das 34 mil moradias previstas até o ano de 2024. Além disso, as inovações aplicadas ao programa permitiram a execução de obras municipais não relacionadas à habitação, sem transparência e com dispensa de licitação. Estas são algumas das conclusões de uma pesquisa realizada no Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp) por Débora Jun Portugheis.

A dissertação “A falácia da eficiência: As parcerias público-privadas na política habitacional de São Paulo” (https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-21012025-122311/pt-br.php) é resultado do mestrado realizado por ela no Programa de Pós-Graduação do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (DCP/FFLCH-USP), que teve como orientador Eduardo Marques, diretor do CEM e professor do DCP.

Segundo ela, os resultados obtidos na PPP habitacional contrariam o esperado para este tipo de operação: dar mais agilidade e eficiência ao poder público na execução de obras. “A pesquisa concluiu que os resultados da aplicação das PPPs não são inerentes ao instrumento, mas condicionados por fatores como a capacidade regulatória do Estado, as características do mercado em que incidem e o histórico de interação entre os setores público e privado – evidenciando a importância das instituições e da atuação dos governos locais nos processos de implementação de políticas públicas”, destaca a pesquisadora na dissertação.

A Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP), empresa pública vinculada à Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), lançou o Programa PPP Municipal da Habitação em 2018, com a perspectiva de que alavancaria a produção de novas moradias na capital paulista. A previsão, na época, era de se entregar, no mínimo, 4 mil unidades habitacionais no prazo de três anos, e mais 30 mil unidades ao longo dos três anos subsequentes, ou seja, até o ano passado.

Uma das novidades do programa foi a proposta de conciliar a construção de habitação com o planejamento e desenvolvimento urbano, promovendo a construção de equipamentos públicos e incentivando a implantação de áreas comerciais no entorno dos empreendimentos, que deveriam ser erguidos próximo a grandes eixos de transporte público.

Essas obras seriam feitas por meio de aditivos ao valor global do contrato, sem especificações técnico-orçamentárias prévias, sem transparência e sem competição. “Curiosamente, mesmo com a maior parte das unidades habitacionais sequer ter começado a ser construída, o programa já viabilizou a reforma ou implantação de mais de 10 equipamentos públicos e a implantação de mais de 100 quilômetros de ciclovias ou ciclofaixas”, conta ela em seu texto.

De acordo com a pesquisa, tais resultados se tornam ainda mais inusitados quando observada a localização: as obras em equipamentos, ciclovias e ciclofaixas têm sido executadas a quilômetros de distância dos terrenos inicialmente definidos para construção das moradias. Os terrenos que estavam previstos para serem alvos das operações, por sua vez, vêm sendo substituídos por outros, dispersos pela cidade, de tal forma que, atualmente, não é possível especificar onde – nem quando – serão implantadas as unidades contratadas. 

Foto: Prefeitura de São Paulo

Dois editais, 11 contratos e um único empreendimento construído

O primeiro edital Programa PPP de Habitação foi lançado em março de 2018, com valor estimado para contratação de mais de R$ 4,3 bilhões. Foram abarcados 12 lotes, mas só seis receberam propostas, uma para cada lote, e os contratos foram assinados em 2019. No ano seguinte, os seis blocos restantes foram relicitados, em edital internacional, com valor estimado de mais de R$ 2,1 bilhões, e apenas um não lote recebeu proposta. Os contratos foram assinados em 2021.

As empresas que se interessaram em participar do programa de PPP habitacional foram, principalmente, construtoras médias e familiares, o oposto do movimento crescente de entrada do capital incorporador no setor habitacional a partir dos anos 2000. A maioria das vencedoras dos editais possuíam um longo histórico de contratação com órgãos municipais, executando especialmente obras de equipamentos, infraestrutura, reformas e serviços de manutenção, que foram incluídos junto com a construção de novas unidades habitacionais na modelagem do Programa PPP Municipal da Habitação. Essas empresas demonstram, assim, um padrão de dependência em relação aos investimentos estatais.

Sete anos após o lançamento do primeiro edital, apenas um único empreendimento, com 401 apartamentos, foi entregue. Para fins de comparação, nos últimos três anos, a prefeitura de São Paulo anunciou que entregou 6,5 mil unidades habitacionais por meio de outros programas e modos de contratação. Sem a entrega, quase todos os parceiros privados seguem, até o momento, sem receber as contraprestações pecuniárias previstas como principal forma de remuneração das PPPs.

O modelo PPP e a política pública: questões críticas

A pesquisa demonstra que a introdução das PPPs na política de habitação em São Paulo priorizou a contratação de parcerias em detrimento do planejamento e da estruturação interna da política. “Ao invés desta escolha promover maior eficiência na provisão de moradias, ela permitiu a execução de diferentes obras municipais sem transparência e dispensando procedimentos licitatórios”, afirma na dissertação. Estas obras previstas na PPP foram feitas antes mesmo de terem sido iniciadas a construção das moradias, de forma isolada e sem necessidade de abertura de licitação.

Outro ponto crítico está no fato de os editais terem sido lançados de forma célere, com falhas de planejamento e na especificação das obras contratadas, elementos que contribuíram para os problemas de execução. Um deles foi a dificuldade para disponibilização, por parte da prefeitura, dos terrenos elencados para a implantação das novas unidades, atrasando suas obras e gerando alterações em suas localizações iniciais.

A maioria dos imóveis selecionados estava ocupada por diferentes usos, alguns eram privados e estavam em processo de desapropriação, enquanto outros necessitavam de regularização ambiental e fundiária. Com essas dificuldades, os terrenos foram substituídos, principalmente, por áreas livres de propriedade da Cohab-SP ou que foram desapropriadas recentemente pela Sehab para outros fins que não os contratos de PPP.

A prefeitura abriu mão de elaborar, ou exigir previamente das empresas privadas, os projetos para execução dos diversos objetos em contratação. Com isso, o novo programa lançou editais com promessas grandes e vagas, sem clareza sobre o que de fato estava sendo contratado. Com centralização no gabinete do prefeito, houve pouca participação de órgãos setoriais na elaboração, aprovação e execução da lei que criou as PPPs e o programa habitacional. Exceto na consulta pública antes da aprovação da lei, não houve nenhuma abertura à participação da sociedade civil na construção do programa.

A pesquisa aponta que, no caso específico de PPPs que visem o setor da habitação, diversos fatores necessitam ser considerados, como a localização das unidades – incluindo a desocupação e regularização fundiária dos terrenos –, o planejamento e execução do projeto e da obra dos empreendimentos, a seleção das famílias, a comercialização financiada das unidades e o trabalho social envolvido na pré e pós ocupação das moradias.

No programa estudado, a responsabilidade pela execução de praticamente todos esses processos foi transferida para o setor privado, ficando apenas a disponibilização dos terrenos e a indicação das famílias como obrigação municipal a ser cumprida com o apoio da iniciativa privada. A pesquisa demonstra, portanto, que as PPPs não garantem eficiência pela simples delegação de tarefas ao setor privado, mas dependem de uma série de fatores, principalmente da capacidade regulatória do Estado, das características dos mercados e da dinâmica existente entre os setores público e privado. 

Acesse a pesquisa na íntegra aqui.


Sobre o CEM
Criado em 2000, com início das atividades em 2001, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e, recentemente, também passou a ser um Centro de Pesquisa e Inovação Especial da Universidade de São Paulo (CEPIx-USP). O CEM reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos


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