Distribuição de recursos federais e emendas parlamentares favorecem municípios muito pequenos no Brasil

Cálculos de pesquisadores do CEM mostram que, ao se observar despesas e gastos per capita, as localidades menores são mais beneficiadas, apesar da complexidade das grandes aglomerações urbanas.

Janaína Simões

A distribuição de recursos federais e emendas parlamentares favorece municípios muito pequenos no Brasil. Apesar de serem responsáveis pela geração de mais da metade da riqueza do Brasil e requererem políticas urbanas e sociais intensivas pela sua complexidade e por deterem quase metade da população, os municípios de maior porte recebem menos recursos per capita do que vilas, aldeias e centros locais. É o que aponta a Nota Técnica Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades “Municípios e a Questão Fiscal no Brasil - Mais do que Heterogêneos”, que traz os resultados de pesquisa conduzida por Ursula Peres e Eduardo Marques, pesquisadores principais do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp), e Gabriela Armani, doutoranda em Ciência Política da Universidade de Harvard.

A pesquisa descrita na Nota Técnica explora o desequilíbrio fiscal e de gasto que beneficia municípios menores no Brasil quando se observa o volume de recursos per capita originados de transferências federais, estaduais, receitas próprias e de capital e a estrutura de gastos. Para a análise, os pesquisadores construíram uma tipologia de municípios a partir da reorganização da classificação da chamada Regiões de Influência das Cidades - Regic 2018, distribuindo sobre ela variáveis fiscais, demográficas e políticas no período entre 2005 e 2022. A Regic é uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na qual se identifica e analisa a rede urbana brasileira, estabelecendo a hierarquia dos centros urbanos e suas regiões de influência, e na qual constam dados de 5.215 municípios. 

A partir desta reorganização, os pesquisadores sugerem a existência de três tipos distintos de unidades territoriais. As aldeias e centros locais, classificação na qual se enquadram 84% dos municípios brasileiros, detêm cerca de 25% da população e 20% da riqueza. São áreas com baixa urbanização, presença econômica muito significativa da agricultura e substancial dos serviços públicos, menor desenvolvimento e maior pobreza relativa. Em posição intermediária estão as vilas, que constituem 13% dos municípios, abrigam 25% da população e da riqueza, e apresentam desenvolvimento e atividades produtivas intermediários. Por fim, as metrópoles e centros regionais representam menos de 4% das unidades, mas abrigam quase 50% da população e da riqueza nacional, apresentam menores níveis médios de pobreza e maiores índices de desenvolvimento, quase nenhuma atividade agrícola e relevantes atividades industriais e dos serviços. 

A análise do ponto de vista das receitas

Os pesquisadores apontam que as aldeias e centros locais dependem fortemente de transferências federais, e mais recentemente de receitas de capital ligadas, entre outros recursos, às emendas parlamentares. Já as metrópoles e centros regionais recebem transferências e receitas de capital inferiores a dos municípios menores, quando se observa os valores per capita, e têm receitas próprias bem mais expressivas - especialmente o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Serviços (ISS). As vilas se posicionam de forma intermediária, mas mais próximas das cidades e centros regionais. 

Os pesquisadores calculam que as aldeias e centros locais receberam R$ 1.816,21, em média, como transferências federais; e R$ 964,04 em recursos vindos de transferências estaduais. No caso das vilas, esses valores foram R$ 686,12 e R$ 919,63, respectivamente. Já as metrópoles e centros regionais receberam R$ 392,77 e R$ 912,85. 

Nem mesmo o patamar mais elevado de receitas próprias das metrópoles e centros regionais chega perto de compensar as diferenças das transferências federais e estaduais para as localidades de menor porte. As aldeias e centros locais obtiveram R$ 181,05 de receitas próprias na média do período citado. As vilas receberam R$ 399,58 e as metrópoles e centros regionais, R$ 664,11 per capita. Todos os números citados são uma média per capita entre o período 2005 e 2022. 

“Analisando os dados de receita per capita de todas as unidades, percebe-se que a desproporção dos valores direcionados às aldeias, centros locais e vilas não é nem de longe compensada pelas receitas próprias das unidades maiores, e tem sido reforçada recentemente pelas receitas de capital”, destacam. “Não exploramos na Nota Técnica as necessidades municipais em termos dos problemas sociais e urbanos, mas, considerando que as escalas urbanas tendem a gerar problemas crescentes pela aglomeração, parece não restar dúvida que as unidades de porte muito pequeno recebem muito mais do que deveriam no Brasil de hoje, considerando o que seriam suas demandas concretas”, acrescentam.

Como se distribuem os gastos

A pesquisa analisa, ainda, dois grandes conjuntos de gastos: os sociais e os urbanos. Como despesas sociais os pesquisadores consideraram educação, saúde e assistência social; como urbanas, urbanismo, habitação, transportes, saneamento, gestão ambiental e segurança pública. As vilas apresentam os maiores valores em ambos, o que surpreende. “Essa distribuição de gastos é incompatível com o que se pode considerar como associado às demandas por políticas, considerando que os custos de equipamentos e atividades de referência em políticas sociais tendem a crescer com a centralidade na rede urbana, e os gastos em políticas urbanos urbanas também se elevam, obviamente, na medida em que passamos para aglomerações maiores, como os centros regionais e as metrópoles”, explicam.

Dado o sistema de políticas brasileiro, que especifica percentuais obrigatórios para as áreas da saúde e educação, os valores gastos na área social são maiores do que nas ações para o urbano. Em termos de tipos de municípios, as menores unidades - aldeias e centros locais - gastaram R$ 2.504,87, enquanto as vilas R$ 2.033,72 per capita e as metrópoles e centros regionais ainda menos - R$ 1.973,41 per capita. Quando se observa os gastos urbanos, a ordem se inverte, embora com diferenças muito menos expressivas - aldeias e centros locais gastaram R$ 679,91 per capita; as vilas, R$ 590,46 per capita; e metrópoles e centros regionais, R$ 703,35 per capita. Considerando que as aglomerações de maior escala concentram desproporcionalmente problemas sociais e urbanos, essa distribuição de recursos é claramente disfuncional.

“A conclusão evidente é a existência de uma forte distorção na direção dos municípios menores, que permite volumes de gastos superiores relativamente aos executados nos demais tipos de aglomerações urbanas”, ressaltam os pesquisadores. Os resultados relacionados às receitas e despesas, em conjunto, demonstram um intenso desbalanceamento em favor dos municípios muito pequenos e com baixo desenvolvimento econômico e capacidade institucional, o que torna problemático o uso do município como unidade genérica, em especial em termos fiscais.  “O argumento da Nota Técnica é de que se abandone o conjunto dos municípios nas análises, lançando mão de tipologias como a classificação que usamos na pesquisa”. Nesse sentido, trata-se de passar a encarar a heterogeneidade subnacional no Brasil não como um fenômeno contínuo - entre maiores e menores núcleos, mas discreto - entre tipos diferentes de unidades com características peculiares. 

Acesse aqui a Nota Técnica “Municípios e a Questão Fiscal no Brasil - Mais do que Heterogêneos” na íntegra.


Sobre o CEM:

Criado em 2000, com início das atividades em 2001, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e, recentemente, também passou a ser um Centro de Pesquisa e Inovação Especial da Universidade de São Paulo (CEPIx-USP). O CEM reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.


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