Pesquisadores do CEM analisam se brasileiros querem “mais ou menos Brasília”
As crises política e econômica que assolaram o Brasil nos últimos anos do governo Dilma Rousseff (PT) e no governo de Michel Temer (MDB) resultaram em uma queda substancial nos níveis de confiança no governo central. Estes caíram de 57,10% em 2013, para 13,35% em 2018. Para entender o impacto desse processo sobre as atitudes dos eleitores em relação à distribuição de poder entre os níveis de governo no Brasil, pesquisadores do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp) realizaram dois surveys inéditos que mostraram que a queda de confiança no governo central reduziu o apoio ao aumento do poder da União na federação brasileira, mas não resultou em crescimento de atitudes descentralistas, em que eleitores desejariam que estados e/ou municípios tivessem mais poder.
Os resultados da pesquisa constam no artigo “O que pensa o brasileiro sobre a federação? Centralização e crise de confiança pós 2013”, publicado na revista Dados por Diogo Ferrari, Rogério Schlegel e Marta Arretche, pesquisadores associados e pesquisadora principal do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid-Fapesp), respectivamente. Os autores constataram que há uma queda do apoio e um aumento do protagonismo da União no período 2013-2018 que não foi acompanhada pelo crescimento de atitudes descentralistas, mas, sim, pelo aumento dos que não dariam mais poder a nenhum nível de governo. “Este tema é importante porque se relaciona à legitimidade política e, também, engloba a distribuição vertical de autoridade, que é alvo de disputa intensa nas federações”, explica Arretche.
O conjunto de crises que tiveram a capital federal como epicentro nos anos recentes − escândalos de corrupção, Lava Jato, crise econômica, impeachment da presidenta, emergência de um governo de extrema direita - são os principais fatores que levaram à queda no nível de confiança no governo central. Inclusive o programa bolsonarista de 2018, que trazia a bandeira “Mais Brasil, menos Brasília”, sinalizou uma possível mobilização política em torno da questão.
Para verificar se esta diminuição na confiança se alinhava a um entendimento de que o governo central é menos importante e de que ele deveria ter menos protagonismo, os pesquisadores estruturam o projeto “Imagens da Federação”, realizado pelo CEM com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Eleitor desconfia, mas considera governo central o mais importante
Foram realizadas duas ondas de pesquisa: uma em março de 2013, em que se entrevistou 2.285 eleitores; e outra, entre abril e junho de 2018, com 2.534 eleitores - feita antes das eleições que foram vencidas por Jair Bolsonaro (PL). O survey apontou que a proporção dos que declaravam ter alguma ou muita confiança no governo federal caiu de 57,10%, em 2013, com Dilma Rousseff como presidente, para 13,35%, em 2018, com Michel Temer no Planalto.
Já sobre a divisão de poderes entre os entes da federação, os dados do survey apontam que, entre 2013 e 2018, cresceu de 10,5% para 22,6% o grupo que daria menos poder ao presidente, ao passo que caiu de cerca de 20% para 13,4% o percentual daqueles que lhe confeririam ainda mais poder. Mas essa desconfiança no governo federal não se converteu em uma preferência pró-descentralização, pois ocorreu concomitantemente a uma expansão da parcela de eleitores que não conferiria mais poder a nenhum nível de governo. Este grupo passou de 36,8% para 48,9% entre o survey de 2013 e o de 2018.
Ao mesmo tempo em que houve aumento da desconfiança, a percepção da maioria dos entrevistados de que a esfera federal é destacadamente a mais importante aumentou entre os dois períodos: 52,8% em 2013 e 60,6% em 2018 disseram que este é o nível de governo que toma as decisões mais importantes para a sociedade. Nas duas edições do survey, cerca de dois terços da amostra consideraram as eleições federais as mais importantes.
Manutenção do status quo prevalece
A desconfiança não se refletiu no desejo de mudanças em termos de redução do poder central. O grupo favorável à manutenção do status quo (nenhum nível de governo com mais ou menos poder) em 2013 não era uma maioria expressiva em nenhuma região, exceto no Sudeste. Em 2018, todos os territórios convergiram para a preferência pelo status quo, exceto na Bahia, com maior proporção de quem apoiava maior poder da instância municipal. Entre 2013 e 2018 ocorreu uma diminuição dos centralistas, mas uma redução destes no Nordeste e em outras áreas, como São Paulo, se refletiu no aumento dos favoráveis ao status quo.
Além disso, mesmo com a crise de desconfiança, ocorreu uma retração entre os que se declaravam descentralistas, ou seja, aqueles que defendiam maior poder para estados e municípios em relação à esfera federal. A única exceção foi o Nordeste que, entre os surveys de 2013 e 2018, registrou aumento no número de pessoas que prefeririam dar maior poder ao poder estadual. Esse conjunto de dados permitiu aos pesquisadores afirmar que a maior parte do eleitorado brasileiro reconhece que a federação brasileira é centralizada, mas não parece disposta a alterar substancialmente este desenho.
“Nossos achados contribuem para o entendimento das atitudes por distribuição de poder em arranjos multinível. O caso do Brasil revela que, em apenas cinco anos, podem ocorrer mudanças sensíveis nessas atitudes sem que tenha havido alterações significativas na distribuição territorial da renda, no sentimento de pertencimento regional ou em fatores culturais de mais longo prazo, que são fatores explicativos tradicionalmente abordados pela literatura”, escrevem. “Nesse sentido, nosso estudo interpela e complementa essas abordagens clássicas para explicar as preferências por distribuição da autoridade, indicando que a relevância explicativa desses fatores, e em particular da confiança no governo central, pode estar sujeita a dinâmicas contextuais”, apontam no artigo, que pode ser acessado na íntegra aqui.
Sobre o CEM:
Criado em 2000, com início das atividades em 2001, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e, recentemente, também passou a ser um Centro de Pesquisa e Inovação Especial da Universidade de São Paulo (CEPIx-USP). O CEM reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.
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