Apoio a sistema tributário progressivo esbarra na definição das faixas de renda que pagarão mais impostos

Tributar mais apenas a faixa que a sociedade considera como os mais ricos do País não é suficiente para custear os programas necessários para reduzir as desigualdades.

Janaína Simões

As preferências da sociedade brasileira quanto à tributação dos mais ricos se alteram quando são explicitadas as faixas de rendas sujeitas a pagar mais impostos. Uma reforma tributária progressiva que recaia apenas no que se considera como a parcela mais rica da população teria pouco potencial arrecadatório. Este embate precisa ser considerado para o sucesso de uma reforma tributária que caminhe para a cobrança progressiva dos impostos, indicam pesquisadores na mais nova Nota Técnica do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp) “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades”. A pesquisa foi feita com apoio da Samambaia Filantropias.

A Nota Técnica 19 “O que pensa o eleitorado brasileiro sobre redistribuição de renda?” foi produzida a partir de estudo conduzido por Marta Arretche, pesquisadora e coordenadora de projeto no CEM-Cepid/Fapesp, Rodrigo Mahlmeister e Eduardo Lazzari, ambos pesquisadores juniores do CEM-Cepid/Fapesp, para a Samambaia Filantropia. Eles partem de estudos que documentam o forte apoio da população às políticas redistributivas e à interferência do Estado na redução da desigualdade de renda, independentemente da renda ou da ideologia partidária.

Nova Nota Técnica CEM

Por outro lado, estes mesmos estudos mostram que a sociedade, de forma geral, considera o atual nível de impostos excessivo. “As preferências da população, portanto, são altamente sensíveis aos custos das políticas. Isso condiz com a tendência dos parlamentares de priorizar isenções e desonerações em vez de aumentar a taxação, como apontado na Nota Técnica 17 desta série de estudos”, apontam os pesquisadores.

Os autores do estudo mostram que o apoio a uma reforma tributária no Brasil é condicional ao fato de que a mudança onere apenas uma parcela reduzida de pessoas no topo da distribuição de renda. Este aspecto é crucial para se entender o apoio a uma reforma tributária progressiva no País, alertam os pesquisadores. “As taxas de apoio à redistribuição giram em torno de 80%, mas quando um aumento geral de impostos é mencionado, a aprovação cai à metade”, afirmam na NT. O percentual foi obtido com base em pesquisas realizadas pela Oxfam Brasil em parceria com o Instituto Datafolha, nos anos de 2017, 2019 e 2020, nas quais se aplicou questionários semelhantes para auferir as preferências da sociedade brasileira em torno de políticas de redistribuição.

“A ampla aprovação e a ampla rejeição à redistribuição só é compreendida quando se constata que a população é altamente sensível à apresentação dos custos das políticas”, ressaltam os autores na NT. Este processo já foi apontado na literatura científica e ocorre no Brasil e em países europeus e norte-americanos.

Brasileiros superestimam nível de renda para integrar grupo dos mais ricos

A percepção de que a carga tributária é muito elevada no Brasil explica por que a população apoia políticas de redistribuição, mas acredita que apenas os mais ricos mereceriam pagar mais impostos, pois os demais grupos sociais já seriam sobretaxados. “Vale mencionar que essa percepção de fato tem respaldo no sistema tributário do país, já que ele onera proporcionalmente mais as classes médias e baixas”, ressaltam. Porém, os índices de aprovação se alteram quando se explicita quais segmentos arcariam com o maior pagamento de impostos.

A pesquisa da Oxfam Brasil perguntou quanto uma pessoa deveria ganhar, mensalmente, para integrar 10% do topo da distribuição de renda no Brasil. Cerca de 40% estimaram valores próximos de R$ 10 mil, quando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2019 indica que o valor mínimo do rendimento desses 10% que se situam no topo deve girar em torno de R$ 3 a 4 mil mensais - o brasileiro na posição mediana tem uma renda mensal próxima a R$ 1,5 mil.

Quando a pergunta é qual posição a pessoa se colocaria na escala de renda, 20% se identificam com uma posição mediana, quase o mesmo valor dos que se situam na escala mais baixa de renda. Um percentual que não chega nem a 5% se coloca como pertencente ao grupo dos mais ricos. A tendência é de que a grande maioria se identifique como classe média, mesmo entre pessoas das camadas mais pobres. “As pessoas, em geral, superestimam o nível de renda necessário para fazer parte das camadas mais ricas do país, consequentemente se colocando num ponto da distribuição da renda inferior àquele em que realmente estão’, explicam os pesquisadores.

Considerar o aspecto subjetivo é importante porque explica a que grupo de contribuintes a população se refere quando opina a respeito da tributação progressiva. E é um grupo bem pequeno, próximo de 1%. “Ou seja, para a grande maioria da sociedade, inclusive aos relativamente mais ricos, a ideia de tributação progressiva significa um mecanismo de transferir a terceiros o custo a ser pago para enfrentar o problema da desigualdade econômica. Se os ricos são sempre os outros, é plausível supor que o eleitor se volte contra o incumbente quando se percebe alvo da taxação”, ponderam.

Qual a relação entre este aspecto subjetivo e o apoio à políticas de redistribuição, como, por exemplo, uma reforma tributária que torne o sistema mais progressivo? Esta percepção enviesada sobre a distribuição de renda nacional pode comprometer a avaliação de custo-benefício dos impostos. “Pessoas pobres podem demandar menos redistribuição se acreditarem ser relativamente mais ricas ou de ‘classe média’ e, principalmente, eventuais contribuintes podem apoiar tributos progressivos supondo que não pertenceriam à categoria a ser taxada”, apontam os pesquisadores na NT.

Experimentos para entender percepções

Para entender o impacto dessas percepções, os pesquisadores contrataram a empresa Opinion Box para fazer dois experimentos de provisão de informação, com subgrupos em que cada um recebeu uma informação diferente. O participante deveria concordar ou não com a informação recebida. Um grupo recebeu a frase que dizia ser obrigação do governo diminuir a desigualdade. O outro leu a mesma frase, mas que acrescentava a sentença “mesmo que isso implique em aumento no Imposto de Renda”. No caso do primeiro subgrupo, o apoio foi de quase 75%. No caso do segundo, a concordância caiu para menos de 46%. “Tal impacto pronunciado reforça a interpretação de que o apoio à redistribuição é altamente sensível à informação sobre custos”, constatam.

O segundo experimento propunha três situações sobre as quais os participantes concordariam ou não: uma em que o governo deveria aumentar o imposto de pessoas ricas, mas a afirmação não determinava valores; na segunda, dizia que os impostos de quem ganha mais de R$ 10 mil (cerca de 1% da amostra do experimento) deveriam ser ampliados; na terceira, propunha-se aumento para quem ganha mais de R$ 2,4 mil por mês (limite máximo de isenção do IRPF). O subgrupo de controle recebeu a primeira situação e outros dois a segunda e a terceira. O apoio à taxação no conjunto dos participantes do experimento é superior a 70% entre aqueles informados de que os ricos, genericamente, seriam taxados. Este percentual cai ligeiramente para menos de 70% na situação em que aqueles com renda de R$ 10 mil são o alvo da tributação. E desaba para 42% se a proposta de taxação recai sobre aqueles que ganham mais de R$ 2,4 mil.

“O grau de rejeição parece depender fortemente do desenho da política tributária e de quem ela afeta”, concluem os pesquisadores. O segundo experimento, em especial, evidencia que a reforma tributária que teria maior respaldo social seria a que incide em uma pequena parcela da população, o que seria insuficiente para atender à demanda da política pública. Leia aqui a Nota Técnica na íntegra.  


Sobre o CEM:
Criado em 2000, com início das atividades em 2001, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e reúne cientistas de várias instituições para realizar pesquisa avançada, difusão do conhecimento e transferência de tecnologia em Ciências Sociais, investigando temáticas relacionadas a desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas. Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos.


Informações para imprensa:
Janaína Simões
Assessoria de Comunicação e Difusão
Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp)
imprensa.cem@usp.br
Tel. 55 11 3091-2097